Um rio de sangue. Ou um açougue. Dezenas de personagens mortos em emboscadas, em confrontos com rivais, em explosões, em tiroteios com a polícia (civil, militar, federal). Esse poderia ser o resumo de Oeste – a guerra do jogo do bicho, de Alexandre Fraga.
Mas,
reduzir o texto a umas poucas linhas não dá conta de todos os temas que estão
presentes no livro. Um dos mais importantes se refere à traição: monstro que emerge
do pântano da contravenção como uma das formas de ascensão ao poder. Todos
quererem uma fatia maior do bolo econômico. O “inofensivo” jogo do bicho, em
determinado momento, aposta no empreendedorismo e se expande em outras direções:
máquinas caça-níqueis, cassinos clandestinos, prostituição. Muito dinheiro
circulante. Isso desperta o desejo de possuir a chave do cofre. Como o sucesso
das ações delituosas se baseia na confiança, no momento em que a realidade bate
na porta e escancara o quanto as aparências são enganosas, todos se assustam. Nada
mais resta senão derramar mais alguns litros de sangue. Apesar dessas ações
estarem conectadas com um propósito pedagógico, eliminar o traidor não resolve a
questão – sempre haverá alguém ambicioso o suficiente para tentar um novo
golpe.
A corrupção é outro tema espinhoso que aparece no romance. Quase todos os personagens que atuam nas áreas policiais e jurídicas mostram interesse em receber um por fora – a exceção é um policial federal (que age por vingança). Nessa confusão em que ninguém consegue distinguir quem é o bandido e quem é o mocinho, há uma espécie de normalidade nas idas e vindas de malas carregadas de cédulas por tribunais, delegacias e prisões. E quando o agrado não funciona, entram em campo outras armas: destruição de reputação, transferências funcionais, “suicídio”, etc. Enfim, o dinheiro fala mais alto. Em alguns momentos, grita. E produz muitos surdos – que fazem de conta que tudo está na mais completa ordem.
As guerras intestinas entre bicheiros também são abordadas no texto. Seja por ganância, seja por algum tipo de ofensa, o conflito desconhece a trégua. O resultado natural aparece na forma de ciladas, troca de tiros, mortes de alguns inocentes e muita corrupção. Em alguns momentos, o leitor tem a impressão de que o objetivo principal do mundo clandestino em que está situado o jogo do bicho é a autofagia. Reinventando o combate entre gangsteres (ou algum faroeste extemporâneo), eliminar o concorrente parece mais importante do que compartilhar os lucros. Mas, essa estratégia é uma via de mão dupla e o esforço sanguinário empregado na tarefa resulta em criar debilidades e, em alguns momentos, na própria destruição.
A narrativa também não economiza nas descrições sexuais. Embora o narrador mantenha discrição sobre os acontecimentos que ocorrem entre quatro paredes, tentando descrever o mínimo de detalhes, a narrativa sugere que a possibilidade de ser morto no dia seguinte implica em aumentar a libido, em criar relações (efêmeras ou duradouras) que sirvam para afirmar a importância de estar vivo – momento em que a atividade sexual surge como compensação pelo perigo.
Oeste
– a guerra do jogo do bicho (editora Record, 2014) usa imagens visuais fortes,
próprias do realismo visceral. Essa escolha, além de denunciar a barbárie que estrutura
o submundo do crime, desperta interesse no leitor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário