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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

SOBRE A POESIA

 


A poesia não vale o papel em que é impressa. Incontáveis vezes esse tipo de argumento se repete. E parece estar absolutamente correto – mas por motivo oposto ao do declarante. A poesia não tem preço. Não é mercadoria.

Sequer há utilidade para a poesia. Usualmente trata-se de algo que atrapalha os dias de praia e sol, que incomoda aos que gostam de astronomia e astrologia, que tem a aparência dos peixes abissais ou dos animais extintos.

Um verso expande a potência do verbo, despreza a verba, reverbera o vazio e institui o caos. O pensamento se desdobra em novas presenças, ausências, referências e reticências. A árvore que recusa o asfaltamento do bom gosto.

Uma estrofe não compactua com o silencio e institui as frases com a violência dos vulcões que entram em erupção na primavera – exatamente quando todos julgam estar a salvo. A poesia incendeia a planície – ao som da onça com fome.

A linguagem como resistência. Empilhar sentimentos e inaugurar catedrais de vento. A iluminação obliqua, a sombra inesperada, a sobra. A vida dividida entre projetos falidos e noites turbulentas. A prece dos que não acreditam em deus.

A poesia respira a imensidão da Antártida no equinócio. Detesta compactuar com as certezas. Acrescenta novas dúvidas. Sabe que o nascer da manhã confirma a desventura, nega a usura, abomina a clausura.

A poesia não escolhe caminho, nem ordem, nem ideias, nem se detém diante do iníquo. A expansão é o seu destino, desatino de quem escolhe acolher em abraços os que estão satisfeitos com a imensa coleção de equívocos.  

A poesia não faz prosa, não carrega ramalhetes para o amor, não suporta paredes ou comporta escafandros. O poema gosta da palavra sim, mas prefere dizer não. E isso afasta a discussão, propõe a digressão. A poesia é a poesia e em si se basta.  


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