As 33 letras do alfabeto cirílico (que deriva do alfabeto grego) são adotadas – oficialmente – por seis línguas eslavas: russo, ucraniano, bielorrusso, búlgaro e macedônio. Mas, na prática, essa forma de escrita está presente na imensidão multicultural de parte da Ásia – e isso dificulta determinar a quantidade exata de usuários.
Como se estive construindo uma espécie de matrioshka (матрёшка) literária, Marina Berri reuniu 33 pequenos ensaios (um para cada letra do alfabeto) em um dos mais interessantes livros sobre linguística, lexicografia e a história da Rússia. Na medida em que o leitor vai lendo o livro, as camadas culturais se multiplicam. Em cada verbete a palavra emerge do dicionário e, através de interseções literárias, cenas de filmes e citações sobre artes plásticas, além das lembranças relacionadas com as viagens que Mariana fez, o leitor se surpreende com uma explosão de lembranças, reflexões e descobertas – elementos que fornecem um sabor especial ao conhecimento.
Alfabeto Russo (Editora Fósforo, 2025. Tradução de Marina Waquil), livro vencedor do Prêmio de Não-Ficção Latinoamérica Independente 2024, fornece um retrato (quase coloquial) da Rússia (antes e depois da era soviética) através de um painel lírico, que projeta a imagem de um país que (em muitos aspectos, principalmente os ideológicos) costuma ser ignorado no Ocidente. Com a elegância de quem domina a tessitura textual, a professora da Universidade de Buenos Aires descreve tanto a aventura protagonizada por Yuri Alexeievich Gagárin (1934-1968) como as confusões promovidas pelo elefante Chango (um dos mais famosos habitantes do zoológico de Moscou). Ao mencionar o Hermitage detém o olhar sobre os brinquedos autômatos e os inúmeros gatos que passeiam pelos corredores do museu (moram nos porões, protagonizam histórias e têm até uma placa própria que avisa: “Cuidado gatos”). Na companhia dos filhos, Milo e Gabriel, assiste desenhos animados – artifício que utiliza para adentrar no universo do letramento do idioma russo.
Livros estão presentes em todo o percurso intelectual que constitui Alfabeto Russo, mas a preferência por alguns escritores, que são citados várias vezes, é inegável: Lev Nikolaievich Tolstói (1828-1910), Ivan Alekseyevich Búnin (1870-1953), Vladimir Vladimirovich Nabokov (1899-1977) e Joseph Brodsky (pseudônimo de Iosif Aleksandrovich Brodsky, 1940-1996). As narrativas desses autores servem de suporte para algumas expressões possam ser investigadas e interpretadas. Ao ampliar a riqueza lexical através de exemplos literários, facilita a compreensão do idioma e permite que, ao encontrar determinadas palavras, possa-se fazer as conexões e multiplicar o entendimento na medida em que os significados e etimologia dos vocábulos são apreendidos.
Marina, ciente de que todos os idiomas são organismos vivos – e que, por isso, estão em constante movimento, sofrendo modificações estruturais –, não se descuida e constata que são essas variações que estabelecem a fluidez semântica e permitem que o processo de comunicação não seja interrompido pela rigidez do léxico (que nem sempre é de domínio comum).
Mais
do que um projeto ligado ao estudo de uma língua, Alfabeto Russo mostra
que toda imagem (estrutura visual que só pode ser descrita pelas palavras) implica
em um modo de ver – e a visão amorosa da Rússia que o leitor encontra no livro
de Marina Berri só pode ser descrita por um adjetivo: belíssima.
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Marina Berri |