Continuo comprando livros. Não tantos
como antes da quarentena. No entanto, não perdi a minha vocação de acumulador literário. É
um vício. Ou uma doença. Ou as duas coisas juntas. A opção que melhor agradar
ao freguês. Na mercearia literária, uns estão na frente do balcão; outros,
atrás. Os livros físicos estão no meio.
Não consigo ler as edições virtuais. A
distração é frequente. Não tenho e-reader. Nem quero ter. Talvez seja coisa da
idade, a minha, que mostra dificuldades para se adaptar aos avanços da
tecnologia. Faz parte do show.
O que me incomoda nos textos virtuais?
Muitas coisas. Mas as ausências de textura, cheiro e peso são as principais. Decidi
que, enquanto tiver forças, vou protestar contra o mundo asséptico, que tende a
se transformar em uma massa amorfa, sem identidade.
Toda vez que o carteiro toca o
interfone, anunciado a chegada de novo pacote de livros, é motivo de
comemoração. Significa que, por mares nunca dantes navegados, a aventura do
conhecimento continua sendo uma promessa de diversão.
Sim, compro mais livros do que a minha
capacidade de leitura. Quando me fazem a mais cretina das perguntas, Você já
leu isso tudo?, costumo dizer que não e que estou acumulando leituras para
quando me aposentar. Doce mentira. Leitores e escritores nunca se aposentam. O
exemplo clássico é Jorge Luis Borges que – depois que perdeu a visão – pedia
para que lessem para ele e, através da voz do Outro, reinventava o leitor que
sempre foi. Alberto Manguel, outro leitor excepcional, conta um pedaço dessa
história no texto autobiográfico Com Borges (Belo Horizonte: Âyiné, 2018).
Em A Leste do Éden, muitas vezes
traduzido por Vidas Amargas, do John Steinbeck (Belo Horizonte: Itatiaia, 1969), há uma cena emblemática. Adam
e Samuel estão conversando, mas Adam é reticente em contar coisas de sua vida
pessoal.
– (...) Talvez ainda lhe fale a respeito
disso algum dia quando eu estiver disposto a contar e o amigo a ouvir.
– Estou sempre disposto a escutar. Devoro histórias como quem devora cachos de uvas.
Essa metáfora é perfeita para explicar a
voracidade do leitor.
Não tenho restrições. Compro todos os
livros que considero interessantes. Dinossauros, revolução francesa, teorias da
conspiração, coleções de frases, poesia, romances, contos, cinema, jazz, xadrez.
A biblioteca espelha a minha bagunça. Outro dia, em uma entrevista ao vivo (estou
tentando eliminar aquela palavra da moda), vi uma escritora desconhecida. Desconhecida
para mim, que fique bem claro. A força telúrica de Miriam Alves me fez comprar
um exemplar de Maréia (Rio de Janeiro: Malê, 2019). Será minha próxima
leitura, logo depois que terminar Apátridas, do Alejandro Chacoff (São Paulo:
Companhia das Letras, 2020), que também comprei por motivo emocional. Sou um
leitor dos textos do Alejandro, na revista Piauí. Uma coisa leva à outra e
assim tropeça a humanidade.
Ao lado da cama, inúmeros livros estão
acumulados. Todos são prioridades. Diariamente, por motivos diversos, acrescento
um ou dois na pilha. Raramente retornam à estante. Sempre surge algo que
preciso ler ou reler. Um diálogo incessante. Tarefa que não tem fim. Uma forma
de felicidade.