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terça-feira, 2 de junho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXXII)




Na televisão, as palavras pastosas de Miriam Leitão remetem a uma visível falta de sintonia com o isolamento social. Aquela enxurrada de números – que não serve para nada, embora projete o discurso competente – insiste em querer negar que a xícara se quebrou e que, independente da qualidade da cola utilizada, não há como reconstituir a louça. Depois da queda, só existe o remendo.

O Brazil não conhece o Brasil / O Brasil nunca foi ao Brazil. Na música de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, a síntese possui luminosidade. E indica que o país tem problemas de identidade. Ao lado daqueles que se preocupam com o valor unitário do dólar ou com a ascensão e queda do Ibovespa, há uma multidão de pessoas com dificuldades financeiras e que sofrem para obter algum tipo de inclusão social. No meio de uma confusão que não sabe dissolver, o Estado finge que é Janus, o deus romano de dupla face (uma olhando à frente e outra para trás). Infelizmente, aquele que acredita poder visualizar – simultaneamente – o passado e o futuro, raramente entende o presente.

O Brasil é, em outras palavras, bipolar. E essa condição disfuncional se acentua quando colocada em frente de algumas dívidas históricas (índios, negros, ditadura militar). Incapaz de ressarcir os prejuízos causados historicamente e predisposto a tomar de assalto o que não lhe pertence, o negacionismo surge como a rota de fuga mais fácil. Nenhuma novidade. Nos últimos dois anos, o governo inepto não conseguiu registrar avanços, tampouco – no presente momento – consegue minorar o desastre produzido pelo Covid-19.

Em paralelo, o anti-intelectualismo está desgastando a racionalidade. Na medida em que o Estado iniciou a corrosão da estrutura administrativa (ver o que está acontecendo nos ministérios da educação e meio ambiente, por exemplo) e permitiu a instituição de milícias reais e virtuais (olavismo, fake news, rotina da violência), surgiu um fenômeno sociológico inédito na história brasileira. E que está empurrando o país para uma espécie de neofeudalismo de caráter religioso. O abismo se abre aos nossos pés.



Resistir é preciso. Ou melhor, precioso. Uma das formas de ação está em marcar posição – neste momento – contra a regressão. A outra, talvez mais forte, acontecerá nas eleições municipais. Contra a avalanche reacionária dever-se-á produzir outra avalanche, desta vez progressista. A dúvida está em saber se isso será possível. Só o tempo dirá. Mas imagina-se que as estruturas orgânicas estejam se mobilizando para produzir um resultado positivo. Evidentemente, isso pode ser uma ilusão, visto que a direita sempre se mostrou mais coesa do que a esquerda. Nem que seja apenas por interesses econômicos.

Enfim, interesses existem o tempo todo. Resta saber a quem favorece. Mais do que às respostas, há que se prestar atenção nas perguntas. Depois, cabe efetuar alguma escolha. Nem sempre é fácil escolher. Inclusive porque em muitos casos as diferenças são mínimas.

Tom Jobim, certa vez, disse que no Brasil, até os canários desafinam. Talvez essa metáfora não possa ser considerada como adequada para entender o país em que vivemos, mas certamente é a figura de linguagem que nos alerta para os discursos vazios que estamos ouvindo no dia a dia.

Um comentário:

  1. Eu ainda fico com o compromisso da utopia.De acordo com o Mestre Paulo Freire, esse compromisso é histórico e transformador. Portanto sonho com novas eleições próximas e um tiquinho de bom senso dos eleitores.

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