Na televisão, as palavras pastosas de
Miriam Leitão remetem a uma visível falta de sintonia com o isolamento social. Aquela
enxurrada de números – que não serve para nada, embora projete o discurso
competente – insiste em querer negar que a xícara se quebrou e que,
independente da qualidade da cola utilizada, não há como reconstituir a louça. Depois
da queda, só existe o remendo.
O Brazil não conhece o Brasil / O
Brasil nunca foi ao Brazil. Na música de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, a síntese
possui luminosidade. E indica que o país tem problemas de identidade. Ao lado
daqueles que se preocupam com o valor unitário do dólar ou com a ascensão e
queda do Ibovespa, há uma multidão de pessoas com dificuldades financeiras e que sofrem para obter algum tipo de
inclusão social. No meio de uma confusão que não sabe dissolver, o Estado finge
que é Janus, o deus romano de dupla face (uma olhando à frente e outra para
trás). Infelizmente, aquele que acredita
poder visualizar – simultaneamente – o passado e o futuro, raramente entende o
presente.
O Brasil é, em outras palavras, bipolar.
E essa condição disfuncional se acentua quando colocada em frente de algumas
dívidas históricas (índios, negros, ditadura militar). Incapaz de ressarcir os
prejuízos causados historicamente e predisposto a tomar de assalto o que não
lhe pertence, o negacionismo surge como a rota de fuga mais fácil. Nenhuma
novidade. Nos últimos dois anos, o governo inepto não conseguiu registrar avanços,
tampouco – no presente momento – consegue minorar o desastre produzido pelo
Covid-19.
Em paralelo, o anti-intelectualismo está
desgastando a racionalidade. Na medida em que o Estado iniciou a corrosão da
estrutura administrativa (ver o que está acontecendo nos ministérios da
educação e meio ambiente, por exemplo) e permitiu a instituição de milícias reais
e virtuais (olavismo, fake news, rotina da violência), surgiu um fenômeno sociológico
inédito na história brasileira. E que está empurrando o país para uma espécie
de neofeudalismo de caráter religioso. O abismo se abre aos nossos pés.
Resistir é preciso. Ou melhor, precioso.
Uma das formas de ação está em marcar posição – neste momento – contra a
regressão. A outra, talvez mais forte, acontecerá nas eleições municipais.
Contra a avalanche reacionária dever-se-á produzir outra avalanche, desta vez
progressista. A dúvida está em saber se isso será possível. Só o tempo dirá. Mas
imagina-se que as estruturas orgânicas estejam se mobilizando para produzir um
resultado positivo. Evidentemente, isso pode ser uma ilusão, visto que a direita
sempre se mostrou mais coesa do que a esquerda. Nem que seja apenas por
interesses econômicos.
Enfim, interesses existem o tempo todo.
Resta saber a quem favorece. Mais do que às respostas, há que se prestar
atenção nas perguntas. Depois, cabe efetuar alguma escolha. Nem sempre é fácil
escolher. Inclusive porque em muitos casos as diferenças são mínimas.
Tom Jobim, certa vez, disse que no
Brasil, até os canários desafinam. Talvez essa metáfora não possa ser considerada como adequada para entender o país em que vivemos, mas certamente é a figura de
linguagem que nos alerta para os discursos vazios que estamos ouvindo no dia a
dia.
Eu ainda fico com o compromisso da utopia.De acordo com o Mestre Paulo Freire, esse compromisso é histórico e transformador. Portanto sonho com novas eleições próximas e um tiquinho de bom senso dos eleitores.
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