Preciso confessar, apesar de ser estranho e,
simultaneamente, colocar em suspeita a minha reputação pública: a quarentena me
afastou das bebidas alcoólicas. Estou a mais de 100 dias sem beber uma gota. O
mais surpreendente: não sinto a mínima falta. O fígado agradece? Não sei. Entre
os estudos médicos, há teses bastante controversas a respeito do assunto.
Em compensação, tomo chá todos os dias. Sem
açúcar, sem adoçante, sem creme, sem leite, sem limão. Detesto qualquer
acréscimo que possa alterar o sabor. Prefiro aqueles com frutas e/ou flores, misturados
(ou não) com especiarias: maçã com canela, hibisco, capim-cidreira, hortelã, abacaxi com limão, frutas vermelhas, limão com gengibre, etc.
Chá verde também é bom.
Sou da turma que despreza chá preto. Sabores
clássicos como darjeeling, earl grey, assam, nilgiri e ceilão não fazem parte
do meu percurso. Questão de gosto. Ou de desgosto.
Alguém há de dizer que não há sentido ou
lógica nessa minha troca de líquidos. E defenderá conceitos esdrúxulos. Um deles:
a felicidade é embriagadora. Tudo bem, mas cabe lembrar que, como consequência do
porre, ninguém escapa da ressaca. Em alguns casos, Epocler, Engov e Alka-Seltzer
são incapazes de diminuir o mal-estar.
Mas, rogo para que ninguém fique pasmado
com minha decisão: nunca tive a intenção de cuspir no prato que comi. Ou
melhor, no copo em que bebi. Minha história pessoal não permite fazer pose de “cristão
novo”, ou seja, daquele sujeito chato, muito chato, que, depois de renunciar ao próprio passado, tenta – a todo custo – converter os ímpios e os hereges. Que
cada um siga suas escolhas.
Resolvi deixar de beber apenas por algum
tempo. Pretendo voltar – moderadamente – ao alterocopismo daqui a pouco. Quando?
Não sei. E, cá entre nós, não importa. Meu relacionamento com o álcool está
intimamente ligado com as reuniões sociais. Como não devo frequentar bares, restaurantes
e as casas dos amigos durante a quarentena, a pergunta me parece óbvia: por que beber
sozinho?
Alguém há de responder: porque é bom. Não
nego. Mas não vejo isso como uma obrigação. Embora pareça difícil de acreditar,
é possível ter uma vida “normal” (seja lá o que isso for) sem cerveja, vinho ou
outra bebida (destilada ou fermentada) qualquer.
Esse raciocínio nos leva a outra
consideração – muito mais complicada. A situação excepcional que estamos
vivendo com o Covid-19 pode se resolver nos próximos dias (com a descoberta de
uma vacina) ou se transformar no “novo normal”. Vamos torcer para que essa segunda
hipótese não se concretize. Porque, nesse caso, precisaremos encontrar alguma
forma alternativa para voltar ao convívio social. Só os masoquistas ficarão presos
em casa, bebendo chá e escrevendo bobagens.
Enfim, por mais catastrófico que tudo
possa parecer, a pandemia está conectada com o alerta de uma famosa dupla de zagueiros
das ciências sociais, Zygmunt Bauman e Karl Marx: na modernidade líquida, tudo
que é solido se dissolve no ar.
Aguardemos!
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