Nos anos 90 do século passado, diante de A Trilogia de Nova York, o leitor brasileiro perguntou: de onde é que surgiu esse tal de Paul Auster? As três histórias que compõem o livro são, no mínimo, intrigantes. E possuem uma força inventiva que não parece encontrar substrato na ficção estadunidense.
A resposta para a pergunta não é fácil − embora os três anos vividos em França, depois de ter se graduado em Letras na Universidade de Columbia, ajudem a entender porque ele não economiza sofisticação em seus romances.
De qualquer maneira, para quem tinha duvidas sobre o seu talento, foram as publicações de No País das Últimas Coisas, Palácio da Lua e Leviatã que confirmaram o que não precisava de confirmação. Aos poucos, Auster criou uma pequena legião de fãs. Em 2004, quando esteve no Brasil, participando da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), trocou figurinhas com Chico Buarque. Depois de ler um trecho de Budapeste, ouviu Chico ler um trecho de Noite do Oráculo. O público aplaudiu de pé a dupla.
O último romance de Paul Auster, Sunset Park, acaba de ser publicado no Brasil. A prosa fluída, surpreendentemente fácil de ler, que lembra (pela leveza) Desvarios no Brooklyn, parece muito diferente dos malabarismos técnicos visíveis em Homem no Escuro ou Invisível. Definitivamente, é outro Paul Auster. E muito melhor.
O enredo é de fácil entendimento – embora a carpintaria narrativa, constituída por fragmentos, forneça algumas complicações que talvez fossem desnecessárias. Cada um dos personagens significativos (Miles Heller, Big Nathan, Morris Heller) conduz uma das partes do romance – esses três capítulos deságuam em uma espécie de desfecho coletivo.
Sunset Park é um romance pessimista. Além disso, como um desses remédios amargos que é necessário engolir para prevenir doenças mais graves, não há humor. Contraditoriamente, seja pelo tom narrativo, seja pelo fluir suave das frases, não é leitura pesada, não é um tratado da angústia.
Cada um dos personagens fulcrais precisa lidar com tipos especiais de abandono. Ao mesmo tempo, todos eles precisam superar as regras de comportamento estabelecidas pela macroestrutura – e que, de uma forma ou de outra, lhes parecem incompreensíveis.
Quando Big Nathan decide ocupar uma casa abandonada em região afastada do Brooklyn, e convida os amigos para participarem desse ato de desobediência civil, está estabelecendo, entre tantas questões pouco práticas, que a amizade deve se impor aos interesses mercantilistas que regem as regras de mercado. Deixar de pagar aluguel é questão secundária diante do ato libertário que é a vida comunitária.
Morris Heller vive a transição entre duas gerações, a do seu pai e a do seu filho. Dentro deste hiato afetivo está a segunda esposa. Alguma coisa não encaixa bem. Parece faltar alguma peça do quebra-cabeças. Ou sobrar. Assim, precisa superar as crises da esposa, a morte do filho adotivo, a fuga do filho legítimo, o desamparo de quem perdeu as relações familiares.
Miles Heller, por outro lado, parece ser o típico filho da burguesia que não está preparado para carregar nos ombros a culpa. O acidente que resultou na morte de seu meio-irmão o impele na direção da autodestruição emocional. Faltam-lhe perspectivas para enxergar o horizonte. Sair de casa, abandonar a faculdade, viver como nômade – faces da questão que ele não consegue (ou não quer) resolver. No final do romance, quando se envolve em outra confusão, o narrador resume a sua situação dizendo: (...) e ele se pergunta se vale a pena esperar um futuro quando não há futuro nenhum, e de agora em diante, ele diz para si mesmo, vai parar de esperar por qualquer coisa e viver só para o agora, este momento, este momento que passa, o agora que está aqui e depois não está mais, o agora que se foi para sempre.
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