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quarta-feira, 13 de junho de 2012

SE NÃO NÓS, QUEM?

Nem tudo está perdido. Embora cada vez mais raro, o cinema político ainda existe. Não no Brasil, é claro. Aqui, entre mulatas seminuas e frutas exóticas, costumamos nos divertir com aquelas comediazinhas sem sal que glorificam paisagens exuberantes, enredos anódinos e canastrões televisivos.

Na Alemanha a história é outra, como comprova o drama Se Não Nós, Quem? (Wer Wenn Nicht Wir. Dir. Andres Veiel, 2011). Tendo como base a década de 60 do século passado, e as mudanças sociais e políticas que ocorreram na época em que sexo, drogas e rock−and−roll determinavam ações e procedimentos, o filme retrata a impaciência dos filhos dos sobreviventes da II Guerra Mundial.

Baseado em fatos reais, Se Não Nós, Quem? está concentrado na vida do editor Bernward Vesper (interpretado por August Diehl) e de sua companheira, a professora Gudrun Ensslin (interpretada por Lena Lauzemis). Jovens e inquietos, iniciam um romance na Universidade. Um pouco mais tarde, fundam uma editora – cujo principal objetivo é reeditar os livros de Will Vesper, pai de Bernward, e comprometido com os interesses do nazismo. Apesar das muitas dificuldades, e do ressentimento que constantemente aflora, o casal acredita que política e literatura são irmãs gêmeas.

Por diversos motivos, eles se mudam para Berlim (a Neue Literatur é incorporada ao acervo de uma editora maior). Gudrun inicia o doutorado em literatura.

Enquanto o mundo contempla os reflexos da Guerra Fria, da Guerra do Vietnam e de movimentos sociais como os Black Panthers, Bernward e Gundrun se aproximam de algumas facções extremistas. Essa guinada para a ação política, trilhando os caminhos nem sempre retilíneos da esquerda, traz junto três conseqüências imediatas: melhoria da vida econômica, um filho e um acordo pouco ortodoxo sobre a vida sexual. Ao longo do tempo em que estiveram juntos, Gudrun aceitou – nem sempre concordando − as múltiplas aventuras extraconjugais de Bernward. Como ele diz para o pai de Gudrun: Nosso amor tem regras próprias. Talvez seja pensando nesse axioma que, em determinado momento, Gudrun se apaixona por Andreas Baader (interpretado por Alexander Fehling). Comprovando a tese (muito popular na época) de que o intelectual é o oposto do revolucionário e de que os livros se mostram insuficientes para mudar o mundo, ela abandona o marido, o filho e o passado para poder viver ao lado do amante (um homem violento). Essa paixão avassaladora, que em muitos momentos se confunde com autodestruição, resulta em cadeia. Para os dois. Várias vezes.

Em determinado momento, Andreas diz para Gundrun: Seu erro é pensar só no que é possível. Com essa proposta utópica, fortemente alicerçada nos ideais anarquistas (e que, de certa forma, antecipa o terrorismo da Al-Qaeda), arrasta a mulher para ações terroristas e uma vida de fugitivos.

Condenado a viver sem a esposa e precisando cuidar do filho, Bernward se refugia nas drogas. Transforma-se em um farrapo humano.

Esses dois procedimentos, aparentemente antagônicos, correspondem às duas faces da mesma moeda, do mesmo sofrimento. E que, algum tempo depois, termina em suicídio dos três personagens.

Sem grandes concessões à ideologia anestésica do bom comportamento, Se Não Nós, Quem? mostra que a vida está envolta na dor. Com o uso de uma metáfora grotesca, o filme revela que a história humana se assemelha com a pedra amarrada ao pescoço do condenado - indivíduo que, mais cedo ou mais tarde, será jogado no mar para morrer afogado.

Um comentário:

  1. "Seu erro ´pensar no que é possível"
    Entendo a crença do Bernward Vesper no poder transformador dos livros já que uma das acusações contra seu pai foi a de queimar livros para os nazistas. Naturalmente ele quando criança acreditava haver um enorme poder nos simulacros de papel. Mesmo porque até para justificar o assassinato do gato do menino ele se valeu de um livro de poemas. Não conheço "viagem "de Vesper mas o prefiro às bombas do Baader-Meinhoff.

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