Tendo como cenário a cidade de Los Angeles e a superficialidade daqueles que orbitam em torno da indústria cinematográfica, os dois livros estão inspirados pela trilogia (sexo, drogas e rock−and−roll) que alimenta os ritos de passagem que separam a adolescência e a idade adulta. Clay, Blair, Julian, Trent e Kim (além de mais uma dezenas de pós−adolescentes que aparecem e desaparecem de cena com incrível rapidez) somente se preocupam em extrair o máximo de prazer da vida. Rip, o traficante, garante que os paraísos artificiais se renovem a todo instante.
Saindo de uma festa para participar de outra, trocando de parceiros sexuais, consumindo álcool e cocaína até entrarem em coma, os herdeiros dos herdeiros do capitalismo predatório desconhecem limites éticos e morais. Ao sacarem da carteira o cartão de crédito ilimitado, eles convencem a si mesmos (e aos que estão próximos) que tudo está à venda, e que os escrúpulos mais prosaicos são inúteis.
Clay, talvez porque escapa quase incólume do abismo, talvez porque não consegue olhar para a tragédia sem sentir um pouco de náusea, é o narrador nos dois livros. Utilizando linguagem ágil e incisiva, apresentando um texto fragmentário (muitas vezes desconexo), ele conta − de maneira obliqua – a degradação de Julian.
Embora o fio condutor do romance seja a história amorosa e social de Clay, Julian simboliza a grotesca procura por algum objetivo na vida. As inúmeras ocasiões em que os amigos de infância se desencontram, tomando caminhos e decisões diferentes, caracterizam a crueldade humana e a inutilidade do existir.
Julian é um personagem fugidio, que parece brincar de esconde-esconde com Clay. Viciado em heroína, está sempre precisando de grandes quantias de dinheiro. Como ocorre nesse tipo de situação, não é somente o vício que precisa de manutenção. O Porsche e o status que imagina possuir também custam caro. Em algum momento não especificado no texto, aceita se prostituir. Em quartos de hotéis cinco estrelas permite que desconhecidos (quase todos velhos) usem do seu corpo para satisfação sexual. Nas poucas (e raras) situações em que tenta resistir à degradação, sucumbe ao poder anestésico de novas doses da droga.
Só me interessa ver o pior, diz Clay, quando as festas na piscina ou nas boates da moda perdem a graça. Morbidamente, quer ver até que ponto o horror pode se manifestar. Descobre isso ao ver Julian sendo sodomizado. Algumas horas mais tarde, assiste Trent, Spin e Rip estuprarem uma menina de 12 anos. Convidado para a farra, Clay esboça um tímido protesto e, sem dizer nada, vai embora. Não quer participar, e, simultaneamente, se mostra incapaz de modificar a situação. Prefere voltar para a Universidade, no outro lado do país, onde − sem conseguir esquecer o que viu − escreve Abaixo de Zero.
O cinismo continua 25 anos depois. Em Suítes Imperiais, Clay (alguém ao mesmo tempo jovem e velho) se tornou um roteirista renomado. De volta a Los Angeles para ajudar na escolha do elenco do seu novo filme, comprova o quanto é fácil perder o contato com o que acontece no mundo. O torvelinho de violência sexual, consumo de drogas e alienação social se repete como se fosse o remake de algum trash movie. Envolto em um mosaico de juventude, um lugar a que você não pertence mais, Clay encontra Blair, a ex−namorada, casada com Trent. Julian não melhorou muito, continua um manipulador. Rip, como um fantasma, assombra a história de todos.
Depois de tanto tempo, o leitor percebe que os protagonistas ainda não amadureceram emocionalmente. Quase todos aceitam transformar o próprio corpo em um playground sexual. E isso significa que a bissexualidade não espanta a ninguém. Continuam usando cocaína. Há visível desprezo por todos aqueles que não pertencem ao grupo, que (na melhor das hipóteses) não passam de corpos sem identidade e que estão à venda como se fossem pedaços de carne em um açougue.
Julian conseguiu escapar das drogas. Gerencia uma agência de garotos de programa. Sua namorada, Rain, faz de tudo para conseguir um papel no filme de Clay. Nas horas vagas, a garota oferece sexo de qualidade para todos aqueles que possam transformar esse sonho em realidade – Clay, inclusive. Como ela também frequenta a cama de Rip, ciúme e chantagem são acrescentados à narrativa.
Desse enredo não poderia resultar em final feliz. Clay conclui que não passa de um idiota, que sempre esteve procurando chamar a atenção da primeira namorada. A visão do corpo de Julian, torturado barbaramente, o atormentará para todo o sempre.
O estadunidense Bret Easton Elis, nascido em 1964, escreveu vários romances polêmicos, sendo Psicopata Americano (1991) o mais famoso. Também publicou As Regras de Atração (1987), Os Informantes (1994), Glamorama (1998) e Lunar Park (2005). Foi traduzido em cerca de 30 idiomas. Há versões cinematográficas sofríveis de Abaixo de Zero (Less than Zero, Dir. Marek Kanievska, 1987), Psicopata Americano (American Psycho, Dir. Mary Harron, 2000), Regras de Atração (The Rules of Attraction, Dir. Roger Avary, 2002), Glamorama (Glitterati, Dir. Roger Avary, 2004) e Os Informantes (The Informers, Dir. Gregor Jordan, 2009).
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