A razão econômica impede que determinados filmes sejam exibidos nas salas comerciais de cinema. Isso, obviamente, não impede que o cinema (principalmente aquele que está escorado em questões políticas) continue denunciando as diversas formas de opressão social.
A distribuição comercial desses filmes precisa ser mais criativa. Prêmios em festivais, exibições nos circuitos alternativos e a reprodutibilidade técnica, principalmente o DVD, são algumas das formas de divulgação de um cinema que não está conectado com a necessidade primária de ganhar dinheiro.
Inspirado em fatos reais, o filme Cairo 678 (dir. Mohamed Diab, 2010) mostra as dificuldades que envolvem a luta pelos direitos das mulheres no mundo muçulmano. Construído em torno do encadeamento narrativo (uma história conectada com outra), a narrativa se concentra em uma espécie de primavera árabe feminista.
Na sociedade egípcia, as relações (muitas vezes conflituosas) entre homens e mulheres transitam por diversas normas comportamentais. Uma delas estava relacionada com o comportamento sexual em lugares públicos − principalmente em espaços de grandes concentrações humanas. Por diversas questões, inclusive religiosas, as mulheres não possuem o costume de registrar queixa policial contra o assédio sexual (isso implica em expor publicamente a vida privada).
O mundo machista, patriarcal e autoritário transforma a omissão em prática social. Como reação a esse desproposito, três mulheres de classes sociais, culturais e econômicas diferentes (Fayza, Seba e Nelly) se insurgem.
Fayza, casada com Adel, mãe de duas crianças, não encontra mais prazer no leito conjugal. Também não se sente bem com a forma constante com que as práticas de assédio ocorrem dentro dos ônibus urbanos. Por isso, costuma usar taxi – o que não a impede de chegar atrasada no cartório onde trabalha. Somando problemas domésticos, falta de dinheiro e constrangimento, vai acumulando ressentimentos e frustrações.
Seba, casada com o milionário Sherif, grávida, vai a uma partida de futebol com o marido. Durante as comemorações pela vitória egípcia, acaba engolida pela multidão. Traumatizada, aborta. Mais tarde, quando o marido pede explicações para a separação, ela resume a questão: Você não estava comigo, quando precisei.
Em um programa de televisão, Seba, profundamente indignada com a situação, propõe criar grupos de apoio contra o assédio sexual. Várias mulheres comparecem, mas nenhuma se predispõe a denunciar a situação. Fayza é uma das participantes.
Nelly, noiva de um bancário, operadora de telemarketing, costuma ouvir propostas indecentes quando está trabalhando. Freqüentemente se revolta contra essa violência. Um dia, ao atravessar a rua para ir à casa de sua mãe, foi apalpada por um motorista. Sem pensar muito no assunto, corre atrás do agressor e, embora seja atropelada, consegue alcançá−lo. Com a ajuda de alguns transeuntes, e de familiares, prende o sujeito. Na delegacia, o policial quer registrar a acusação de agressão física e não a de assédio sexual.
Fayza deflagra uma situação−limite. Bolinada dentro do ônibus, linha 678, reage e, com a ajuda de um estilete, machuca o agressor. Em pouco espaço de tempo, outros dois homens também são feridos de maneira similar, despertando a curiosidade da polícia – que começa uma investigação.
Utilizando o poder de repressão estatal, o comissário de polícia determina ao seu assistente:
− Preciso de informante nos ônibus.
− Sabe quantos ônibus são?
− Não, mas sei quantos informantes existem.
Não demora muito e as três mulheres (Fayza, Seba e Nelly), por suas idéias, pela forma como reagem ao domínio masculino, são identificadas como causadoras potenciais de problemas. São advertidas e mandadas para casa.
Os desdobramentos posteriores revelam várias questões similares. A grande exceção está na postura de Omar, o noivo de Nelly. Pressionado pelo trabalho no banco, pelas tradições familiares, no momento oportuno renega essas formas de tirania social e resolve apoiar Nelly, quando ela denuncia o assédio sexual. O silêncio feminino, nesse momento, se transforma em grito contra o abuso masculino.
O destino de Fayza e Seba não muda ao final do filme, mas há um aceno por novos dias. Dias esses que não deveriam repetir a grande metáfora de Cairo 678 − Magda, a esposa do comissário de polícia, morre durante complicações no parto. O marido, como quase todos os homens desse filme, chegou atrasado ao momento em que ela mais precisava de ajuda.
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