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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A PRIMAVERA DA SRTA. JEAN BRODIE

O humor refinado da escocesa Muriel Spark (1918-2006), por algum motivo de difícil entendimento, não conseguiu seduzir os leitores brasileiros. Um de seus principais livros, A Primavera da Srta. Jean Brodie, que retrata um dos um dos personagens de romance mais amados da literatura inglesa do pós-guerra (na avaliação de James Wood, em Como Funciona a Ficção), continua praticamente desconhecido.

A narrativa ocorre em Edimburgo, entre 1931 e o início de 1939. E está centralizada nas relações complicadas, muitas vezes confusas, entre a Senhorita Jean Brodie, professora da Escola Marcia Blaine, e o seu entorno – o que inclui seis alunas (Monica, Rose, Eunice, Sandy, Jenny e Mary) e os professores Gordon Lowther (música) e Teddy Lloyd (artes).

Todos os eventos estão interligados com o mundo social da Senhorita Jean Brodie. Ocorrem na escola ou em suas cercanias. Mesmo quando a professora convida as alunas para tomar chá ou quando está passando o final de semana com Gordon Lowther, esses encontros ocorrem de maneira rápida, superficial. Ou seja, por decisão do onisciente narrador em terceira pessoa, o enfoque está na vida pública – a vida intima foi reduzida ao mínimo indispensável.

Dêem-me uma jovem em idade impressionável e ela será minha para sempre, afirma com a convicção de um jesuíta, a professora Jean Brodie. Ansiosa por transformar todas as suas alunas em o crème de la crème do mundo social, despreza o programa curricular. Em lugar de matemática ou gramática, fala sobre a vida amorosa de Charlotte Brontë ou sobre os pintores italianos. Em síntese, humaniza culturalmente o pedantismo escolar.

Obviamente, por diversos motivos, essa quebra das regras, implica em discordâncias. A diretora Mackay, defensora intransigente do ensino tradicional, mecânico e imutável, sempre que é possível, procura descobrir algum "podre” de sua desafeta. Por mais que procure, nada encontra. Além disso, adquire ciência de quanto é difícil tomar providências efetivas contra uma professora carismática, que é amada por suas alunas. Talvez o que mais aborreça a diretora seja suportar a imagem de boa educadora da Senhorita Jean Brodie. As melhores alunas da Escola Marcia Blaine fazem parte do grupo Brodie (com exceção de Mary Macgregor).  


A todo instante, e em contextos diferentes, a Senhorita Jean Brodie repete que eu estou na primavera de minha vida. Com o auxílio dessa âncora psicológica, que lhe trouxe instinto e perspicácia, garante às alunas que a juventude é um sinônimo de eternidade. Para confirmar esse ligeiro descaso com o mundo ordeiro e seguro, nas férias costuma visitar a Europa continental. Adora a Itália e a Alemanha. No reinício das aulas, conta às alunas as novidades. Ninguém percebe que esse é o seu ponto fraco. Exceto a sua aluna favorita, Sandy Stranger – que, mais tarde, entraria para um convento.

Entremeado por várias considerações de ordem comportamental, inclusive feminismo avant la lettre e as fantasias sexuais dos adolescentes, o romance vai construindo um retrato lento e assustador do ambiente escolar. Por espelhamento, também reflete as agitações políticas que antecederam a II Guerra Mundial.

O inverno da vida da Senhorita Jean Brodie inicia no dia em que Sandy conta para a diretora Mackay que a professora admira os fascistas e os nazistas. Essa é a desculpa ideal para o pedido, “voluntario”, de aposentadoria. Também marca o grau zero de separação entre a confiança e a traição.  

A Primavera da Srta. Jean Brodie é um texto de alta qualidade, muito divertido, repleto de grandes “achados” e que merece ser lido com atenção.


Maggie Smith recebeu o Oscar de melhor atriz, em 1969, ao interpretar Jean Brodie, em A primavera de uma solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie. Dir. Ronald Neame, 1969).



P. S: Em A Primavera da Srta. Jean Brodie ocorre um fenômeno narrativo raro. Sem se controlar, o narrador faz algumas incursões ao futuro, prognosticando o que acontecerá com as personagens, em situações que não mais possuem importância para o tempo narrativo (prolepse externa, segundo a classificação de Genette). Dessa forma, o texto está repleto de observações como Mais tarde, quando se tornou famosa por sexo, suas qualidades extraordinariamente sedutoras ou, em um exemplo mais agudo, Mary Macgregor (...) que mais tarde se tornou famosa por ser estúpida e sempre levar a culpa e que, aos vinte e três anos, perdeu a vida no incêndio de um hotel. São detalhes que fornecem um sabor especial ao texto, porque projetam uma exterioridade que a estrutura literária normalmente impede.

Essa proposta narrativa não teria vida longa se A Primavera da Srta. Jean Brodie fosse apresentado para o julgamento de algum editor contemporâneo. Provavelmente, em nome da comercialização, recomendaria o corte abrupto de todas as incidências. Com a desculpa de que esse tipo de detalhes é completamente dispensável à carpintaria narrativa, tornaria o texto mais "palatável" ao leitor.



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