Minha mãe recheava dois pedaços de polenta com queijo, empanava tudo em ovo e farinha, e fritava. Era mágico. E delicioso. Nunca mais encontrei esse conjunto de sabores.
Essa comida rústica (e, ao mesmo tempo, sofisticada) era servida quente. Ao primeiro corte, o queijo derretido se espalhava pelo prato. Naquele tempo, minha família não comprava queijo no supermercado – sequer conhecíamos essas fatias amarelo-desmaiado, insípidas e ricas em conservantes, envoltas em plástico, e disponíveis nas seções de frios. Tampouco a fiscalização sanitária se incomodava com a produção rural e com o controle de qualidade. O laticínio usado por todo mundo era o queijo de colônia (colônia de bactérias, como costuma dizer a mãe de Mítia). No Mercado Público ou no armazém da esquina era possível adquirir um pedaço (quase sempre a metade) de umas peças redondas, pesadas, e que tinham mil e uma utilidades (sanduíches, macarronadas, para comer com goiabada, etc.). De acordo com o método de produção, era possível encontrar alguns queijos mais salgados ou mais insípidos, mais “curados” ou mais “verdes”. Variedade nunca foi um problema.
Estou lembrando o passado distante, mais de 45 anos, quase 50. A resistência bacteriológica da população também era outra. As crianças andavam descalças, as ruas eram de chão batido, ninguém ficava doente por caminhar na chuva e os brinquedos não exigiam pilhas alcalinas extra-hiper-super-mega-potentes. Tudo era mais simples (claro, isso não quer dizer que era melhor).
Depois, com o passar do tempo e das experiências, as preocupações dos adultos se transformaram em problemas para todos. E tudo ficou mais confuso. E menos calmo. A inocência se perdeu na necessidade de encontrar mecanismos de sobrevivência.
Quando a tempestade familiar passou, após cerca de dois anos de afastamento, voltei a morar com minha mãe. A polenta com queijo foi ficando para trás, nessa corrida de obstáculos que é a vida. Ela só fazia esse prato em ocasiões especiais (um ou outro aniversário ou quando a insistência era insuportável). No geral, costumava dizer que dava muito trabalho, que podíamos comer coisa melhor – mesmo que fosse apenas ovo frito.
Não foram poucas vezes em que as dificuldades econômicas atropelaram os nossos sonhos por boas refeições. Os bifes à milanesa eram escassos, mas sempre bem-vindos. O mesmo se pode dizer das lasanhas, naquelas travessas de vidro enormes, que saiam do forno fumegando odores e sabores. Dobradinha (bucho) era presença constante, possivelmente uma vez por semana (inclusive porque era comida barata). Apesar de todas as dificuldades, sempre tinha alguma sobremesa: doce de gila, figo em calda, sagu de vinho, arroz doce, gelatina, fruta (banana ou bergamota). Chocolate só era possível no Natal ou na Páscoa. Refrigerante era uma ficção somente ao alcance dos ricos. Ao nosso alcance estavam Q-Suco, capilé, limonada, suco de laranja (raramente). Ou água.
Agora, que Dona Vina abandonou os
afazeres da cozinha, percebo que era nas refeições que amarrávamos os
sentimentos. Nada muito explícito. Nunca fomos de distribuir beijos e abraços como
se fossem balas de hortelã. A vida nos ensinou que o afeto produz
vulnerabilidades.
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