Setembro começa hoje e anuncia, timidamente, que a primavera também está chegando. O céu está encoberto, uma metáfora dos tempos sóbrios que estamos vivendo. Em breve as flores e as folhas darão algum colorido ao mundo. Mas, exceto a mudança climática, nada de significativo está desenhado no horizonte. Aparentemente, tudo continuará igual.
Os jornais alardeiam que vacinas contra o Covid-19 estão sendo desenvolvidas por diversos laboratórios. Mas, ressaltam que os testes ainda não terminaram e que, se essa fase for bem sucedida, a produção em larga escala ainda vai demorar. Alertam que janeiro como meta pode ser muito otimista. Enquanto isso, as curvas estatísticas da necropolítica continuam oscilando – e assustando. É necessário ter nervos fortes para suportar o massacre diário.
Salvo engano, 2020 será lembrado pelas próximas gerações (se houver próximas gerações) como um momento de impasse entre o utilitarismo tecnológico e a necessidade de adotar medidas profiláticas para a preservação da vida. Vitória do primeiro grupo, evidentemente.
Nada contra o progresso (seja lá o que isso for). Alguns grupos de analistas garantem que a qualidade de vida no século XXI evidencia superioridade ao século XIX. E citam, para comprovar essa tese, os avanços da medicina, da agricultura, da construção civil, da informática e dos direitos civis. Quem interpreta a modernidade frequentemente se esquece de citar os itens que permanecem inalterados (racismo, feminicídio, homofobia, desigualdade de gênero, genocídio indígena, salários aviltantes, etc.). Gostariam que essas questões não fizessem parte da discussão.
O cinismo capitalista não possui limites. Na hora da discussão teórica, todos proclamam que o direito à vida é inalienável e que devem ser realizados todos os esforços possíveis para mantê-la. Na hora da prática, o que interessa é o som das moedas (a soma entre a produção e o consumidor é igual ao lucro). Simples exercício de ética flutuante.
Contemporaneamente, o mercado determina o valor dos indivíduos. Isto é, quem deve viver e quem deve morrer. As regras do jogo (poucos percebem que as cartas estão marcadas) estabelecem quem tem direito ao mercado de trabalho e quem deve procurar soluções alternativas. “Cidadãos de segunda classe” dificilmente terão acesso às vacinas (ou algum antidoto) – confirmando que o Estado não está interessado em fornecer qualquer tipo de assistência médica à população em situação de vulnerabilidade ou que possua baixa renda mensal.
No momento em que ficar comprovado que a barbárie venceu a civilização, também se descobrirá que as portas da cidadela não foram arrombadas, mas sim abertas por dentro. Além das trapaças com cavalos de Troia, há traidores em todos os cantos.
Por enquanto, para aqueles que estão enquadrados
nos diversos “grupos de risco”, cabe esperar pela primavera ou pela morte – o que
vier primeiro.
Quem viver, verá...
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