Estou com as costas em pandarecos. Não sei de onde surgiu a expressão pandarecos, era muito comum algum tempo atrás, fui ao dicionário verificar o significado, tá lá, assim mesmo, no plural: estilhas, frangalhos, destroços, pedaços. Enfim, a palavra serve para contextualizar a bobagem que fiz ontem.
Resolvi colocar as estantes com a literatura brasileira em ordem. Coisa pouca, o trivial básico. Ninguém que quer se especializar em um assunto escapa dessas armadilhas – e, antes que alguma voz se pronuncie em defesa da modernidade, declaro minha aversão literária aos instrumentos digitais, PDFs, Kindles e demais quinquilharias. Gosto de livros com vida – isto é, com capa, textura de papel, cheiro e peso. Na minha concepção, os personagens somente adquirem substância e densidade no livro físico.
(Preciso abrir parênteses para relatar que uma de minhas maiores angústias ocorreu quando li, no excelente Ex-Libris – confissões de uma leitora comum, da Anne Fadiman, vários exemplos de loucuras cometidas por leitores excêntricos. Um dos que mais me assustou foi o de seu pai, um leitor voraz, que, para diminuir o peso dos livros que carregava, rasgava os capítulos lidos e os jogava no lixo. O retorno da barbárie foi o mínimo que pensei.).
O fato que importa nesta narrativa é que, nos últimos tempos, eu ia retirando os volumes do lugar, e, depois, os amontoava em cima da mesa, a velha bagunça de sempre. O mesmo acontecia com as novas aquisições. Acabei transformando a área onde está o computador em uma ilha. Mais do que isso, fiquei asfixiado. A situação exigia uma atitude. E de forma imediata e efetiva.
Fiz o que precisava ser feito. Separei os volumes em ordem alfabética por sobrenome de autor e fui tentando encaixá-los entre os outros livros. Inevitavelmente, precisei afastar alguns para a próxima prateleira. E, nesse ritmo, fui executando a tarefa, durante umas duas horas. O problema é que esqueci que não tenho mais 18 anos. Lá pela letra D, o suor escorrendo pelo rosto, sentei no sofá e pedi água. Literalmente. Foi nesse momento que percebi, pela primeira vez, que algo estava errado. Mas, como compete aos heróis das histórias em quadrinho, ignorei os sinais de perigo e prossegui – acreditando no mito de que apanhar faz parte da luta, no fim o mocinho sempre vence, não importa a profundidade das cicatrizes.
Depois da pausa e da hidratação, retomei o serviço. Mas, sem o mesmo empenho. Uma dor – de difícil localização – começou a incomodar. Fiz de conta que era uma bobagem sem maiores consequências. Foi um erro.
Na letra T acabou o espaço de manobra. Em outras palavras, precisarei comprar novas estantes. Os autores que o sobrenome começa com as letras U, V, X, Z, Y e W estão temporariamente amontoados em cima de outros livros.
De uma forma ou de outra, consegui implantar o suave tédio da ordem (nas palavras de Walter Benjamin). Obviamente, não esqueci que todo esse esforço está ligado ao temporário. Amanhã ou depois vou precisar olhar esse ou aquele texto e, mesmo que consiga ter um mínimo de disciplina, a desordem será restabelecida, confirmando que o caos sempre vence.
O que parece ser permanente é a dor nas
costas. Antes de dormir, tomei um relaxante muscular. Dose dupla. A doce ilusão
de que uma noite de sono seria suficiente para resolver a questão. Acordei
pior. Dói tudo e mais um pouco. Estou velho.
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