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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CLXXII)

 

A Defenestração de Praga, 1618. Pintura de autor desconhecido


A palavra defenestrar é muito instrutiva. Pedagógica. Sua origem está relacionada com fenestra (janela, em latim). Significa, em versão coloquial, arremessar violentamente algo ou alguém pela janela.

Nos romances picarescos dos séculos XIV, XV e XVI, onde a farsa se fazia presente a todo instante, era comum o amante fugir pela janela ao perceber a chegada do marido. Também acontecia, mas com menos frequência, o cônjuge ultrajado (depois de flagrar o adultério e desistir – por algum motivo – de lavar a honra com sangue) optar por defenestrar o comborço.

A palavra comborço também não é de uso cotidiano. Designa o “outro”, o amante da esposa em relação ao marido. Foi utilizada exemplarmente no Dom Casmurro (Machado de Assis).  

Essas duas antiguidades lexicais servem de baliza para tentar entender a tempestade.

No imenso e intenso jogo de xadrez que compõem a realpolitik, as relações amorosas são citadas constantemente. No imaginário popular, o costume de trocar alianças ou juras apaixonadas é uma forma de estabelecer o ordenamento do mundo e induzir a sensação romântica de que o amor – apesar de todos os obstáculos – sempre triunfa. No entanto, a ilusão que envolve o dístico e foram felizes para sempre esbarra em entrave bastante significativo. A traição aparece como um dos ingredientes que acrescentam especial sabor à situação. O príncipe, encantado pelas delícias do poder, muitas vezes não consegue perceber os movimentos que estão sendo feitos ao seu redor. Não possui inteligência emocional para pressentir a arapuca ou as iscas que são espalhadas para fisgar os desatentos. Naufraga nas tentações (que são muitas e apresentam prazeres nunca antes cogitados em uma vida carente de fantasias). Sucumbe ao poder das “forças ocultas”.

Somente no momento em que acorda do sonho é que consegue vislumbrar os estertores de gozo do comborço. Tarde demais (como comprovam inúmeros episódios da História). Como compensação pela perda pode, em momento adequado, escrever e publicar as suas memórias ressentidas – que, apesar de explicar alguns episódios obscuros, em nada mudarão os acontecimentos.

A política é a continuação da guerra por outros meios. Uma espécie de vale-tudo para os que moram no andar de cima e uma série de humilhações para os demais figurantes do reality show. No campo de batalha, povoado por espiões e contraespiões – que vão distribuindo armadilhas e explosivos pelo terreno –, todo cuidado é pouco. Ninguém com um mínimo de conhecimento da natureza humana deve ignorar o poder profilático da paranoia.

Assim como na “vida real”, o pecado mortal da política está em confundir amor com sexo e sexo com amor. Esse equívoco, em qualquer circunstância, independente da diversão mútua, sempre resulta no empurrar um dos corpos pela janela. Raramente a vítima escapa do aniquilamento total. Observando esse desfecho à distância, a plateia delira com o espetáculo (sem entender em que medida será afetada pela troca de opressor).

Qualquer semelhança entre essa metáfora rudimentar e alguns acontecimentos recentes em um dos estados do sul do Brasil não pode ser considerada como mera coincidência. Basta comparar os episódios, descobrir quem tentou dar o golpe e fracassou, ver os sobreviventes – que, ao fim e ao cabo (ou será sargento?), tomarão conta do campinho, da bola, do jogo de camisas e, futuramente, dos destinos do árbitro.

Game over para o príncipe consorte que, nesse momento do jogo (com o perdão do trocadilho infame), está sem sorte. O comborço, ao contrário, não esconde a alegria.  


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