Páginas

domingo, 25 de outubro de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CLXXI)

 


Michel de Montaigne (1533-1592), Walter Benjamin (1892-1940), György Lukacs (1885-1971), Roland Barthes (1915-1980), Edward Said (1935-2003), Susan Sontag (1933-2004) e George Steiner (1929-2020) são os pensadores a que recorro toda vez que preciso de alguma ajuda ou referência. São os meus anjos da guarda de estimação. E, mais importante, nunca ignoraram as minhas preces.

Evidentemente, nem sempre os acontecimentos transcorrem com a necessária delicadeza que envolve a relação mestre e aluno. Como todo indisciplinado, que nega a dinâmica da vassalagem, conjugo turbulências, discordâncias e, da forma mais nítida possível, dúvidas. Não é o comportamento que faria sucesso nos salões literários de Paris do século XVII. Ou nas reuniões políticas contemporâneas. Não por acaso, em determinado período de minha vida, a long time ago in a galaxy far, far away, fui rotulado de inorgânico, uma subcategoria política derivada do pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937). Provavelmente foi o melhor elogio que recebi em toda a minha vida.

Acredito que a literatura, em particular, e as discussões intelectuais, de forma geral, implicam em exercícios de inquietude. E isso resulta, principalmente, no debate incessante – não como uma forma ininterrupta de negação, mas como um exercício do método dialético. Uma aposta de que a potência se revelará através do choque entre as ideias. Ou na exaustão. O que vier primeiro.

Foi no exercício do embate entre um conceito e sua antítese que aprendi que o discurso amoroso precisa resultar em fruição, prazer e/ou gozo. Contrário à esterilidade, entendo que a ação que movimenta o diálogo precisa provocar rumores e humores, tempestades e desconforto. Felizmente, há quem discorde. O que é saudável, pois, na interpretação de um dos grandes sociólogos do século XX, Nelson Rodrigues (1912-1980), toda unanimidade é burra.

A linguagem deve se projetar no espaço social como instrumento de luta. Somente aqueles que mergulham nas entranhas das palavras e emergem da malha composta por fios conflitantes podem projetar a construção de um discurso coerente – mas que, como uma casa de vidro, deve ser transparente. Sem esse requisito será apenas mais um aparelhamento ideológico a serviço de quem está no poder. A política e o mal (seja lá o que isso for) muitas vezes se irmanam – para poder oprimir com maior intensidade.

Pensar está em oposição ao silêncio, à negação e ao compactuar com o inimigo (que precisa ser bem definido, sob o risco de gerar algum tipo de confusão entre miragens e falsos profetas, fantasmas e deslumbramentos). Por isso, independente da força das tropas invasoras, cabe denunciar – ininterruptamente – a violência e o arbítrio. Compactuar significa rendição. Por maior que possa parecer o vendaval de intolerância fascista, urge lançar âncora e estabelecer limites. Somente assim será possível sobreviver à nova Idade Média que está se desenhando no horizonte.

Cercado pelos livros escritos por aqueles que me abrigaram intelectualmente obtenho satisfação. Mas não será com livros e ideias que encontrarei a felicidade. Ou a facilidade. Aquele que sonha de olhos abertos – como convém aos céticos – sabe que, na estrada que leva ao esclarecimento, existem muitas pedras, perigos e inimigos da razão.


Nenhum comentário:

Postar um comentário