Um conhecido, divagando sobre o futuro
político dos municípios após as próximas eleições, fez uma comparação inusitada.
Ao relacionar as dificuldades de montar uma equipe administrativa competente,
soltou a pérola: É como assaltar um banco. Não importa o sucesso do empreendimento,
em algum momento alguém vai delatar os outros participantes do grupo.
No primeiro instante, fiquei surpreso.
Pensei que era uma piada fora de hora. Uma dessas bobagens que o tio do
churrasco solta sem pensar, apenas para entreter o pessoal, antes de servir a
linguiça fatiada ou a asinha de frango. Como ninguém está prestando atenção no
que ele está falando, entra por um ouvido e sai pelo outro.
Depois de alguns segundos, conclui que essa
fala não constitui despropósito. Nenhum político consegue reunir uma equipe eficiente e capaz de resistir às tentações do canto das sereias. O ganho fácil costuma destruir quaisquer possibilidades de construir o bem-estar público. Em algum
momento, alguém decepcionará os eleitores (ou confirmará alguma suspeita).
Sergio Ramos (in memoriam) contou para
algumas pessoas, em uma daquelas conversas que eram frequentes em A Sua
Livraria, uma história interessante – mais tarde descobri que existe uma
versão muito parecida, e com outros personagens, no Folclore Político, do Sebastião
Nery.
Disse Sergio que o caso aconteceu quando
seu antepassado, Nereu de Oliveira Ramos (aquele que foi Presidente da
República depois de um golpe parlamentar), era Governador de Santa Catarina.
Nereu nomeou um amigo para uma função importante. O sujeito pediu para declinar
da honra, preferia um cargo de menor responsabilidade, e argumentou não saber
se tinha forças suficientes para resistir às pressões políticas e econômicas
(que naquela situação significavam quase a mesma coisa). O Governador deu-lhe um
tapinha nas costas, riu e o mandou trabalhar. Seis meses depois, ouviu do
funcionário uma extensa lista de queixas sobre assédios e ameaças. Como ocorre
em situações similares, o dirigente político fez de conta que tudo estava ótimo
e parabenizou o amigo pelo excelente desempenho na condução do problema.
Passaram-se mais uns meses e Nereu recebeu um bilhete: Por favor, demita-me!
Eles estão chegando ao meu preço!
Pois é, todo ser humano tem um preço.
Nem sempre significa que alguma propina ou a ambição descontrolada vão contribuir para mudar a rota das boas intenções. Não se trata disso. Pode ser uma
fraqueza humana, um deslize em tempo remoto, um desejo oculto, alguma questão sexual.
Na selva dos negócios que costumam contaminar o serviço público, o lobo está
sempre em alerta, esperando por algum descuido da vítima.
Provavelmente será por essa brecha que
as forças ocultas invadirão a cidadela. Ou melhor, os cofres públicos. O pragmatismo
capitalista não se interessa por sentimentalismos. O desejo de ampliar o ganho
financeiro se impõe sobre qualquer questão ética. O resto é apenas o resto, inclusive
a possibilidade do esquema ser descoberto mais adiante – se ocorrer, provavelmente
será tarde demais.
Os céticos e/ou cínicos dizem que a doce
ilusão que envolve alguns conceitos básicos da política (democracia, alternância
de poder, mecanismos de controle administrativo) muitas vezes é apenas amarga. As
eleições servem para comprovar ou rejeitar essa afirmação. Mas, de qualquer
forma, ninguém pode negar que são tão perigosas como assaltar bancos.
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