Quando alguma pessoa diz que não possui qualquer tipo de preconceito gastronômico, a vontade de rir fica quase incontrolável. Se isso não ocorre na frente da criatura é para manter um mínimo de verniz civilizatório. Todo mundo tem algum tipo de alimento que detesta. Inclusive aqueles que adoram dizer que “comem de tudo”. Nenhum humano possui estômago de avestruz.
Causa escândalo nacional encontrar algum indivíduo que diz que não gosta de feijão e camarão. Imediatamente, descontados os casos de alergia ou trauma, surgem situações de humilhação social. Ninguém acredita que existam sujeitos que detestam o sabor. Um conhecido precisou usar de diplomacia superior a que é praticada pelo Itamarati para superar a violência que surgiu ao seu redor. Várias vezes, ao ser convidado para almoçar, enquanto os demais convidados se empanturravam com suculenta feijoada, o fulano precisou se contentar com arroz branco, couve e laranja. Além disso, esporadicamente alguém olhava para ele com o mesmo interesse com que olharia para um alienígena.
Experiências similares ocorreram quando o camarão estava incluído no cardápio. Para não passar fome, precisou se contentar com bifes sola de sapato. E que, obviamente, foram preparados com visível má vontade.
Para alguns homens e mulheres, a cebola e a uva passa são as principais adversárias ao bom gosto gastronômico. Encontrar qualquer um desses dois elementos no meio da comida é motivo suficiente para julgar se vale a pena continuar a refeição. Embora pareça drástica,... a possibilidade não deve ser descartada. Nos casos em que o horror é superado, esses alimentos possibilitam cena antológica: o surgimento – lento, inexorável – de um montinho na beira do prato. Evidentemente, todos os que estão à mesa percebem o protesto silencioso.
Em tempos recentes, a cruzada contra alguns ingredientes culinários está ganhando centenas de adeptos. A facção xiita não economiza palavras de desprezo para azeitonas, chuchu, beterraba, tomate, bife de fígado, miúdos de galinha, lentilha, grão-de-bico, couve-flor, alcachofra, abóbora, picles, além de outras maravilhas da alimentação internacional. Nem mesmo as especiarias e as frutas escapam do sistema de exclusão (cancelamento, na linguagem atual). É o caso do coentro, cravo-da-índia, açafrão, noz-moscada, mostarda, gengibre, anis-estrelado, maracujá, abacate, caqui, manga, mamão.
No âmbito regional, onde a desnutrição se faz presente, existe um bando de terroristas que elegeu como alvo a quirera, a canjica, o cuscuz de milho, a morcilha (morcela), o chouriço, o bucho (dobradinha), o matambre e o arroz de carreteiro. Não bastasse o descalabro, há quem demonize o sagu de vinho, o arroz doce e o doce de gila – símbolos da identidade (açucarada) sul brasileira.
Se não fosse (muito) ridículo esses intolerantes subiriam em cima da mesa e usariam megafone para expressar – de forma inquestionável – a repulsa que sentem quando encontram o mínimo traço do alimento indesejado.
Como disse um filósofo desconhecido, as idiossincrasias humanas abrem as portas para estudos muito interessantes. No campo da psiquiatria, por exemplo.
P.S: por razões de segurança pessoal, deve-se evitar menção aos hábitos nutricionais dos vegetarianos, veganos, macrobióticos e outros usuários de formas alternativas de alimentação. Esses grupos são mais perigosos que maionese estragada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário