Cansado de sobreviver aos finais
de semana em família − no aconchego do lar, sufocado pelo carinho da esposa e
dos filhos −, uma mudança de ares nunca é má ideia. Contra os mil e um
desaforos domésticos ou essa tolice que é o contar moedinhas, a nobre arte de
viajar surge no horizonte doméstico (raras vezes domesticado) como um antídoto
contra a monotonia.
O ideal seria fornecer um
descanso para a esposa e, ao mesmo tempo, cansar até não poder mais os filhos.
No sítio da família as crianças
não querem ir. Todo ano é a mesma coisa: cavalgadas, pescaria, muita comida
e... tédio. Depois de cinco dias nada mais é novo, as brigas começam a se
tornar uma constante e não há quem consiga suportar os mosquitos.
Tudo bem, inferno basta o ano
todo – em casa. Então, é hora de colocar a cabeça para funcionar e fazer uma
lista das possíveis alternativas para que o pesadelo do descanso se transforme
em um doce e lindo sonho.
Uma possibilidade está em visitar
algum parente distante. Distante geograficamente, é claro. Que tal aquele tio
milionário que mora no interior do Mato Grosso? Dizem que o pantanal é
inesquecível. Eis a solução! Quer dizer,... depois de uns vinte telefonemas, a
frustração: o tio amado, que poderia melhorar a tua vida, está em férias! Foi
para o nordeste. E ninguém sabe quando voltará!
Estações de água, a casa da irmã
em São Paulo (o cunhado é muito chato!), uma viagem pela Europa — cartas fora
do baralho. Nada é possível. Ou falta dinheiro ou falta paciência.
O litoral surge como alternativa.
É pouco, mas fazer o que? Então, o primeiro passo é alugar casa ou um mísero
apartamento de quarto-e-sala. Supondo que, por um milagre, tudo transcorra como
planejado, e, depois de muito pesquisar, você consiga uma casinha, pequena,
porém honesta, lá no fim do mundo, ainda é cedo para pensar que tudo está
resolvido.
Infelizmente, não está. Essa
história de ficar bebendo cerveja, na beira do mar, olhando platonicamente os
corpos que passam, tudo muito bonito, muito glamoroso, mas... antes do paraíso,
urge ultrapassar o purgatório.
O início da festa começa com a
revisão do carro (que serve também para mostrar que parte do teu dinheiro vai
ser gasto antes da viagem). Depois, as compras imprescindíveis: cerveja, roupas
de banho, camisetas, mais algumas cervejas...
Superada essa fase, cabe
encontrar uma “vítima” para ficar com o cachorro. E que o trate bem.
Inevitavelmente, as crianças vão exigir garantias, senão... o cão vai ter que
ir junto. E isso é pior do que o mar virar sertão.
Depois de arrebanhar “as crias”,
fazê-las entrar no carro, conferir se alguma coisa não ficou para trás — e não
dá outra, sempre há esquecimentos (alguns, propositais!) —, a sorte está
lançada!
Por fim, vem o translado. BR-282.
Os buracos da estrada, os filhos gritando, “paiêêêê, tô com sede!”, a mulher a
beira de um ataque de nervos, as manobras para desviar dos kamikazes (que, na
direção contrária, tentam a todo custo causar um acidente), “paiêêêê, tô cum
fomi!”, o pneu furado, as cinco mil paradas em todos os postos de gasolina na
beira da estrada, a garrafa de água mineral que um dos meninos derramou no
banco traseiro, o caos a desafiar os poucos cabelos que te restam na cabeça. E,
por fim, para coroar o evento com fecho de ouro, a multa por excesso de
velocidade. Essa ele não cobram na hora. Você nem fica sabendo da infração. Ou
se a cometeu, realmente. Depois, uns quinze dias depois, a multa chega pelo
correio, airosa e com o prazo de contestação vencido. Não existe outro remédio
senão pagar. Afinal, se as contas forem feitas na ponta do lápis, é apenas mais
um monte de dinheiro, e como você já está falido... não custa mergulhar no
abismo.
No meio da confusão aparece a
dúvida cruel: será que todo esse esforço vale a pena? Afinal, mesmo antes de
sair de casa você já está morto de cansaço!
Apesar de tudo, a solução é
arriscar. Alguma coisa do tipo “relaxar e gozar”. Pois, se pensarmos bem,
descanso é descanso, a praia vai ser demais e ninguém é de ferro.
Por fim, há uma recompensa:
voltar ao trabalho! Depois desses desastres todos, oito horas de serviço diário
podem, inclusive, ter algum charme — tudo depende apenas das provações que você
tiver que superar nesses fantásticos dias de sol (e chuva!) que algum louco
convencionou chamar de descanso.
Boa viagem!
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