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quarta-feira, 17 de maio de 2023

A NOBRE ARTE DE VIAJAR EM FAMÍLIA

 


Cansado de sobreviver aos finais de semana em família − no aconchego do lar, sufocado pelo carinho da esposa e dos filhos −, uma mudança de ares nunca é má ideia. Contra os mil e um desaforos domésticos ou essa tolice que é o contar moedinhas, a nobre arte de viajar surge no horizonte doméstico (raras vezes domesticado) como um antídoto contra a monotonia.

O ideal seria fornecer um descanso para a esposa e, ao mesmo tempo, cansar até não poder mais os filhos.

No sítio da família as crianças não querem ir. Todo ano é a mesma coisa: cavalgadas, pescaria, muita comida e... tédio. Depois de cinco dias nada mais é novo, as brigas começam a se tornar uma constante e não há quem consiga suportar os mosquitos.

Tudo bem, inferno basta o ano todo – em casa. Então, é hora de colocar a cabeça para funcionar e fazer uma lista das possíveis alternativas para que o pesadelo do descanso se transforme em um doce e lindo sonho.

Uma possibilidade está em visitar algum parente distante. Distante geograficamente, é claro. Que tal aquele tio milionário que mora no interior do Mato Grosso? Dizem que o pantanal é inesquecível. Eis a solução! Quer dizer,... depois de uns vinte telefonemas, a frustração: o tio amado, que poderia melhorar a tua vida, está em férias! Foi para o nordeste. E ninguém sabe quando voltará!

Estações de água, a casa da irmã em São Paulo (o cunhado é muito chato!), uma viagem pela Europa — cartas fora do baralho. Nada é possível. Ou falta dinheiro ou falta paciência.

O litoral surge como alternativa. É pouco, mas fazer o que? Então, o primeiro passo é alugar casa ou um mísero apartamento de quarto-e-sala. Supondo que, por um milagre, tudo transcorra como planejado, e, depois de muito pesquisar, você consiga uma casinha, pequena, porém honesta, lá no fim do mundo, ainda é cedo para pensar que tudo está resolvido.

Infelizmente, não está. Essa história de ficar bebendo cerveja, na beira do mar, olhando platonicamente os corpos que passam, tudo muito bonito, muito glamoroso, mas... antes do paraíso, urge ultrapassar o purgatório.

O início da festa começa com a revisão do carro (que serve também para mostrar que parte do teu dinheiro vai ser gasto antes da viagem). Depois, as compras imprescindíveis: cerveja, roupas de banho, camisetas, mais algumas cervejas...

Superada essa fase, cabe encontrar uma “vítima” para ficar com o cachorro. E que o trate bem. Inevitavelmente, as crianças vão exigir garantias, senão... o cão vai ter que ir junto. E isso é pior do que o mar virar sertão.

Depois de arrebanhar “as crias”, fazê-las entrar no carro, conferir se alguma coisa não ficou para trás — e não dá outra, sempre há esquecimentos (alguns, propositais!) —, a sorte está lançada!

Por fim, vem o translado. BR-282. Os buracos da estrada, os filhos gritando, “paiêêêê, tô com sede!”, a mulher a beira de um ataque de nervos, as manobras para desviar dos kamikazes (que, na direção contrária, tentam a todo custo causar um acidente), “paiêêêê, tô cum fomi!”, o pneu furado, as cinco mil paradas em todos os postos de gasolina na beira da estrada, a garrafa de água mineral que um dos meninos derramou no banco traseiro, o caos a desafiar os poucos cabelos que te restam na cabeça. E, por fim, para coroar o evento com fecho de ouro, a multa por excesso de velocidade. Essa ele não cobram na hora. Você nem fica sabendo da infração. Ou se a cometeu, realmente. Depois, uns quinze dias depois, a multa chega pelo correio, airosa e com o prazo de contestação vencido. Não existe outro remédio senão pagar. Afinal, se as contas forem feitas na ponta do lápis, é apenas mais um monte de dinheiro, e como você já está falido... não custa mergulhar no abismo.

No meio da confusão aparece a dúvida cruel: será que todo esse esforço vale a pena? Afinal, mesmo antes de sair de casa você já está morto de cansaço!

Apesar de tudo, a solução é arriscar. Alguma coisa do tipo “relaxar e gozar”. Pois, se pensarmos bem, descanso é descanso, a praia vai ser demais e ninguém é de ferro.

Por fim, há uma recompensa: voltar ao trabalho! Depois desses desastres todos, oito horas de serviço diário podem, inclusive, ter algum charme — tudo depende apenas das provações que você tiver que superar nesses fantásticos dias de sol (e chuva!) que algum louco convencionou chamar de descanso.

Boa viagem!

 


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