Contar uma história é uma técnica que não está ao alcance de todos. Não basta ter um bom enredo, curso completo de alfabetização e disposição para ficar algumas horas diante do computador ou da folha de papel. É preciso algo além. O quê? Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares – ou mais. De qualquer forma, a explicação para o sucesso (ou o fracasso) de um livro (ou de um conto, de um poema, de uma crônica) não está na inspiração divina, nas receitas de bolo ou nos cursos de escrita criativa.
Poucos conseguem executar o truque de mágica com perfeição. Talvez porque estão cientes de que o segredo da prestidigitação está em promover alguma forma de distração para o espectador. Enquanto a vítima olha para um lado, o outro lado executa a ilusão. No fundo, como em tantas coisas da vida social, a escrita apenas fornece uma estrutura artística ao logro.
A história de qualquer um (vivo ou fictício) daria um romance. É o que se imagina. Ou o que sugerem aquelas séries televisivas que prendem as pessoas em maratonas intermináveis. Isso talvez seja um engano. O exercício da banalidade não é matéria literária (ou melhor, não deveria ser). Infelizmente, o distinto público parece estar em outra sintonia, quer diversão, mas não quer arte. Faz parte. Talvez em Marte.
Considerando que a literatura grega (tantas vezes glosada pelos romanos) abordou todos os temas possíveis, a escrita contemporânea precisa encontrar uma maneira diferenciada de contar algumas das histórias que se repetem incansavelmente. A morte, as relações familiares, o poder político, a ganância, a maldade, a interpretação equivocada do destino – são muitas as formas (fórmulas) de construir a aventura literária. E isso não depende da narrativa terminar em tragédia ou em comédia. Ou de não terminar, porque a vida (frequentemente) passa mansa como as águas de algum riacho.
Evidentemente, o mar revolto também recebe as boas-vindas – embora (incontáveis vezes) seja difícil distinguir entre o cais, a tábua de salvação e o naufrágio. O que parece estar parado talvez esconda a turbulência e o que está em movimento, talvez seja calmaria. Complicações não faltam.
Sentimentos são artefatos pessoais, intransferíveis. E, portanto, manipuláveis. Cenário perfeito para que a literatura capture a atenção do leitor e, na velha brincadeira de cabra-cega, o conduza até o bosque encantado, lugar onde tudo é possível, mas nada é real. Não faltará narrador a comentar, como se isso fosse coisa sem importância, que aquilo que foi contado aconteceu, mas de outra maneira. E que ele somente teve o trabalho de preencher os espaços vagos com algumas mentiras e muita imaginação. Nada demais, como ensina a eterna lição escolar: entre os fatos e a lenda, a publicidade direciona os holofotes para o que possibilitar o maior ganho econômico.
Enfim, para simplificar o imbróglio, quem decide mergulhar no abismo não está preocupado com dilemas filosóficos. A empatia e a repulsa são questões supérfluas, não servem sequer para garantir uns trocados em direitos autorais. O que quer garantir é que, na queda, o pouso não cause muitas fraturas. Raramente isso se torna possível.
O escritor é um traficante de mistérios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário