Terminei a tarefa na Prefeitura
do Município de Lages, SC. Foi (mais ou menos) bom enquanto durou. Depois de
trinta e oito longos e intermináveis anos de serviço público, estou me
aposentando. Mas, antes que alguém comece a soltar fogos de artifício,
iluminando o céu plúmbeo da aldeia, aviso que a aposentadoria só vale para o
funcionalismo. Ainda não encontrei um antídoto para essa maldição que chamam
escrever. Então, para suplício de meia dúzia de inimigos, continuarei maltratando
a língua portuguesa e a literatura.
O exercício da escrita não é
exatamente tomar café com bolinho frito no meio da tarde. A vida está
repleta de episódios emocionantes com grandes intervalos de tédio. A função do escritor oscila entre uma circunstância e outra. Ou seja, é preciso desatar (ou
inventar) esses nós que fornecem substância ao existir. Além do senso de
observação sobre o que está acontecendo ao redor (e alhures), faz-se necessário
aproveitar o momento. O que hoje parece ser uma boa história, amanhã não
servirá sequer para embrulhar o peixe. Claro, se tiver peixe. E, como se sabe,
nem tudo que cai na rede é peixe. Muitas vezes, se obtém muito... ah, deixe
para lá, que do desastre devemos manter distância, inclusive para evitar o uso
da palavra peixe quatro vezes no mesmo parágrafo.
Mas, em algumas oportunidades,
por mais que o escritor se esforce, nada se consegue de bom (ou, vá lá, de
razoável). Por isso, urge encontrar o socorro nos arquivos implacáveis.
Reciclar um texto antigo (quanto mais antigo, melhor) é uma forma desesperada
de tirar coelho da cartola. Ou seja, aquele que possui um arquivo com
publicações de outras épocas jamais passará pelo vexame de ter que enfrentar o
exercício de criatividade impulsionado pelo desespero. O dead line (data da
entrega do texto) é o principal inimigo dos fracos. E, preciso confessar,
jamais fui forte. O que me salva aprendi com o teatro, aquela coisa de
interpretar um personagem, tentar fingir que estamos destinados à superação, à
redenção, ao negar a rendição. Isso não tem preço. Mas se mostra extremamente
valioso para quem quer sobreviver na selva onde brotam invejosos e
incompetentes a todo instante.
Alguém assumirá a função de
cronista da Prefeitura (e da cidade) e continuará na tarefa de entreter o distinto público. Ou
não. Talvez a solução seja outra: adotar os serviços do ChatGPT, esse Frankenstein pós-moderno que
deve, mais cedo ou mais tarde, substituir aqueles que escrevem. De minha parte,
quero limpar as gavetas e ir embora. Para onde? Não sei. O que sei é que me
perguntaram sobre o que farei quando não mais precisar levantar antes das seis
horas da manhã. Para isso tenho resposta. Provavelmente vou dormir um pouco
mais. Quer dizer, nos momentos intermediários continuarei lendo e escrevendo.
Tenho dívidas e dúvidas – e acredito que a literatura é um portal que leva ao
lugar onde todos os mistérios são revelados. Em caso de engano, cabe corrigir a
rota e seguir na procura.
Imagino-me nos próximos meses, no
período da manhã, caneca de chá na mão, sentado no sofá, olhando para os livros
presos nas estantes do escritório. Entre um gole e outro do líquido morno,
sonharei. Com quê? Isso não tem a mínima importância – exceto se for um bom
palpite para jogar no bicho.
É isso. Tchau!
Nenhum comentário:
Postar um comentário