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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ÁRABES E BRASILEIROS

Durante muitos anos o que se conhecia da literatura de origem árabe se resumia a algumas lendas religiosas. E As Mil e Uma Noites. Tradução ruim, de segunda mão − visto que (para seguir as regras da época) ninguém se esforçou para verter a narrativa tendo como base o texto original. Esse crime só foi corrigido recentemente com a tradução direta do árabe, efetuada pelo Mamede Mustafá Jarouche.

O libanês Gibran Khalil Gibran e o egípcio Nagib Mahfuz, prêmio Nobel de literatura em 1988, reverteram um pouco desse panorama. Os livros de Gibran foram muito lidos entre os anos 60 e 70 do século XX. A publicação da trilogia de Mahfuz sobre a vida no Cairo (Entre Dois Palácios, O Jardim do Passado e O Palácio do Desejo) despertou a curiosidade de muitos leitores. E, de certa forma, possibilitou que outros autores de origem árabe fossem traduzidos e publicados no Brasil.

 Atualmente, quem quiser conhecer um pouco melhor essa cultura literária não encontrará dificuldades. Desastres políticos como o 11 de setembro e a causa palestina, por motivos diferentes, criaram um público curioso para descobrir a prosa e a poesia dos árabes. A indústria editorial, sem muito escrúpulo e alguma alegria, colocou nas prateleiras das livrarias tudo o que foi possível. Desde Uma história dos povos árabes (Albert Hourani) até a obra humanista de Edward Said (Orientalismo, Cultura e Imperialismo, Reflexões sobre o Exílio,...). Muitos dos romances de Tarik Ali, Elias Khoury e Tahar Ben Jelloun, para citar três escritores bastante conhecidos no Ocidente, também foram publicados ao lado de narrativas como Tempo de Migrar para o Norte (Tayeb Salih), No País dos Homens (Hisham Matar) ou Eu vi Ramallah (Mourid Barghouti).

Quem gosta de poesia encontra em Os Poemas Suspensos um clássico indispensável. Aliás, a poesia árabe é de excelente qualidade e já está, em parte, disponível em português, como comprovam as publicações de Livro das Cento e Uma Noites (Histórias árabes da Tunísia), A sombra do Amado (Poemas de Rumi), Poesia Palestina de Combate e a coletânea Poemas, de Adonis.

Contrastando com os estrangeiros, há os árabes brasileiros. A ficção está representada pela prosa densa e lírica de Raduan Nassar (Lavoura Arcaica), além de Milton Hatoum (Relato de um Certo Oriente, Dois Irmãos) e Alberto Mussa (Elegbara, O enigma de Qaf). Mamede Mustafa Jarouche, Safa Abou Chahla Jubran e Miguel Attie Filho, entre outros, representam a faceta acadêmica dos estudos árabes.

Ainda no plano ficcional, um dos pontos altos da ficção brasileira está representado pelo projeto desenvolvido por Adriana Armory e Tatiana Salem Levy: o livro de contos Primos (histórias da herança árabe e judaica). Pelo lado árabe, Alberto Mussa, Carlos Nejar, Eliane Ganem, Fabrício Carpinejar, George Bourdoukan, Luiz Antonio Aguiar, Márcia Bechara, Salim Miguel, Samir Yazbek e Whisner Fraga.

Evidentemente, há outros autores, outros livros. A prosa e a poesia árabes (seja no Brasil, seja no Oriente Médio) são muito criativas – e é um desperdício não conhecer esse manancial de belezas.


EU SOU DE LÁ
(Mahmud Darwich)

Eu venho de lá e recordo,
que nasci como todo mundo nasce, tenho uma mãe
e uma casa com muitas janelas,
tenho irmãos, amigos e uma prisão.
Tenho uma onda marinha que a gaivota arrebentou
tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de capim
tenho uma lua passada no auge das palavras
tenho comida divina de pássaros e uma oliveira
além da quilha do tempo
atravessei a terra antes que espadas tornassem
os corpos banquetes.
Eu venho dali.
Eu faço o céu retornar à sua mãe
quando por sua mãe chorar,
e eu choro querendo o retorno de uma nuvem
para me conhecer.
Eu aprendi as palavras de tribunais manchados de sangue
de forma a quebrar as regras.
Eu aprendi e desmantelei todas as palavras
para construir uma única: Lar.

2 comentários:

  1. Olá Raul, compartilhei o link desta postagem com minha turma de Árabe (I - CL da FFLCH USP).
    Gosto muito de autores árabes, grata pelas informações.

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