Se eu pudesse, casava com ela, disse um dos espectadores um pouco antes de começar a sessão. Estava se referindo a Lisbeth Salander − a garota com a tatuagem do dragão. Provavelmente, o mundo está cheio de gente que pensa igual. Salander é uma espécie de sonho de consumo da comunidade alternativa: anarquistas, roqueiros, punks, nerds, hackers, "natiurébas", intelectuais−de−fim−de–semana, hippies tardios, a fauna toda. Ah, não é possível esquecer, os fascistas também a querem (por motivos diferentes, é claro).
Essa legião de fãs provavelmente aumentou depois da nova versão cinematográfica de Os Homens que Não Amavam as mulheres. Não satisfeita que o sueco Mænd der hader kvinder (Dir. Niels Arden Oplev, 2009) tivesse tentado destruir o romance escrito por Stieg Larsson, a indústria cinematográfica estadunidense e inglesa também quis cometer o crime. E conseguiu. Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (título original: The Girl With a Dragon Tattoo. Dir. David Fincher, 2011) não é exatamente um fracasso, mas está muito longe de ser um filme a ser lembrado daqui a dois anos.
Quem leu as 522 páginas do texto não deve ter gostado da adaptação. Se cinema é imagem em ação, a parte literária sempre fica empobrecida quando o roteiro "come" milhares de pormenores. No caso do romance de Stieg Larsson, que não recebeu o necessário desbaste antes de ser publicado, todos os detalhes são fundamentais.
Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é um filme cheio de elipses, de sobressaltos, de "furos" bastante significativos. Um dos pormenores a se destacar se refere ao encontro de Mikael com Harriet Vanger na Austrália – e que não ocorre no filme. Mais uma prova de que a limitação do cinema comercial (que não consegue desenvolver narrativas com mais de duas horas e meia de duração) e a impossibilidade da adaptação literal implicam – necessariamente − em mutilação literária.
Outro ponto de discórdia, agora no plano cinematográfico propriamente dito, está no ator escolhido para interpretar Mikael Blomkvist. O inglês (ex−James Bond) Daniel Craig é um desastre. O cara parece estar engessado. Falta−lhe o necessário physique du role, como se dizia antigamente, quando os critérios para definir o talento cênico eram outros – e bem menos cínicos.
Em compensação, Rooney Mara consegue captar a essência dark de Lisbeth Salander: magérrima, estatura baixa, nunca olhando de frente para o interlocutor, faminta sexual, pesquisadora incansável, fanática por equipamentos eletrônicos. A personagem está identificada na beleza bruta do uniforme transgressor (piercings, tatuagens, botas, roupas pretas e folgadas). Provavelmente, muitos dos admiradores de Lisbeth Salander, ao vê−la ganhar vida na tela, ficaram excitados.
No conjunto, o filme parece estar picotado. Muitas das imagens e idéias não fazem sentido. Entre dezenas de cenas que desapareceram entre o livro e o filme, um dos elementos decisivos para resolver o primeiro mistério (a "morte" de Harriet) é uma fotografia. O encadeamento narrativo fica prejudicado nesse trecho porque todo esse processo de raciocínio está acelerado. A forma com que Mikael constrói uma hipótese através da seqüência fotográfica no computador é atordoante. Com um pouco mais de paciência, talvez o entendimento ficasse mais fácil. É um daqueles casos em que menos não significa mais.
Quanto ao segundo mistério (o caso Wennerström e a "expropriação" das contas bancárias na Suíça), coitado do espectador. A solução para tamanha confusão é simples: comprar o livro e ler. Não será no filme que essa parte da narrativa terá lógica.
Stieg Larsson, o autor da trilogia Millennium, morreu em 2004, logo depois de entregar ao seu editor os originais dos livros que constituem a trilogia. Foi vítima de um ataque cardíaco. Se vivo estivesse, depois de ver The Girl With a Dragon Tattoo, talvez precisasse ser conduzido ao hospital, antecipando o colapso fatal. Nenhum escritor merece ver uma adaptação ruim de seus livros. Caso escapasse de um dano maior, Stieg Larsson, no mínimo, "morreria de vergonha".
uma bela crítica... bjuuu
ResponderExcluirNoomi Rapace é uma Lisbeth Salander melhor. Mas o filme do Fincher é superior ao o sueco. Você acertou quando disse que
ResponderExcluirler é melhor.
Luna: Obrigado!
ResponderExcluirRafael: Tens razão!
ResponderExcluir