A maneira com que o cinema costuma
melhorar certas narrativas deve ser encarada como um dos fenômenos mais estranhos da indústria
cultural. Sem entrar no mérito da questão, usualmente acontece o contrário. Ou
seja, não há novidades quando um bom livro – projetado na tela em branco – se
transforma no irreconhecível. Faz parte do propósito capitalista, que, em nome
do lucro, sacrifica a qualidade ou o bom gosto (independente do que signifique
esses conceitos). Mais escassas são as situações em que o filme está no mesmo
nível do texto. Há exemplos bastante interessantes das
três experiências. Não é necessário nominar situações extremas, embora Morte em
Veneza (Dir. Luchino Visconti, 1971), baseado no romance de Thomas Mann, e O
Leopardo (Dir. Luchino Visconti, 1963), baseado no romance de Giuseppe Tomazi di Lampedusa, sejam filmes/livros
modelares nessa discussão.
Homens, Mulheres e Filhos, romance
escrito por Chad Kultgen, ambiciona ser uma radiografia das carências afetivas e
sexuais dos estadunidenses. O narrador onisciente, abusando do cinismo e da
falta de esperanças, segue um ritmo linear, embora entrecortado por diversos
episódios simultâneos. Maridos e esposas que não se entendem e procuram pelo
prazer no corpo de outras pessoas, adolescentes obcecados pela primeira
experiência sexual, pornografia on line, ausência de escrúpulos na vida
particular – todos esses ingredientes resultam em um hiper-realismo que perturba,
que parece exagerado. Não é. Exagerado. A vida “real” está repleta de
personagens infelizes, que procuram a salvação ou a redenção através de ações
desesperadas.
Homens, Mulheres e Filhos (Men,
Women and Children. Dir. Jason Reitman, 2014), filme baseado no romance homônimo, não
segue fielmente o esquema narrativo original. Aliás, na parte final, toma rumo
completamente oposto ao que está proposto no livro. Algumas cenas foram
cortadas. Alguns personagens, eliminados. A obsessão sexual foi amenizada. Ou
seja, o filme melhorou em 300% um livro chato. Além disso, projetou um fio de
vida em figuras dramáticas que, quando espelhadas no papel, não convencem.
Seguindo o esquema proposto pelo livro,
o filme se concentra em diversos núcleos dramáticos – embora, por conta do politicamente correto e dos códigos de moralidade de Hollywood, aumente
significativamente a idade dos adolescentes. O cinema estadunidense não tem
autonomia para contar histórias perversas envolvendo adolescentes de 14, 15
anos.
No primeiro plano, o casal Don e Helen Truby
(Adam Sandler e Rosemarie DeWitt) vive uma crise conjugal. Ele, depois de consumir
toneladas de pornografia virtual, se envolve com prostitutas. Ela, através de um
portal de encontros, mantém relações sexuais com diversos homens. O filho do
casal, Chris (Travis Tope), apresenta um quadro patológico, de caráter sexual,
que – provavelmente – deve fazer a fortuna de vários psicanalistas. Sua
namorada, a líder de torcida Hannah Clint (Olivia Crocicchia), sonha em
ser estrela de reality show. Mais do que um bloco familiar disfuncional, eles refletem o
comportamento doentio que caracteriza a vida contemporânea.
No segundo plano, Tim Mooney
(Ansel Elgort), astro do time de futebol da escola, entra em crise emocional e resolve
abandonar o esporte. Como não consegue superar a incompreensão do pai, Kent
Mooney (Dean Norris), e dos amigos (que o culpam pelos péssimos resultados da
equipe), passa quase todo o tempo livre jogando on line. Entre a escola e o
mundo virtual, namora Brandy Beltmeyer (Kaitlyn Dever), filha de Patricia Beltmeyer
(Jennifer Garner), que transformou a vida familiar em uma obsessão com predadores na Internet.
No terceiro plano, uma típica história
de high school. Allison Doss (Elena Kampouris) está apaixonada por
Brandon Lender (Will Peltz), que considera o garoto mais bonito da escola. Na
primeira oportunidade, ela vai para a cama com o sujeito – embora esteja ciente
de que ele não leva em consideração quaisquer sentimentos. Ele quer sexo, apenas isto.
No entrecruzamento, entram em cena diversos
personagens secundários, inclusive Donna Clint (Judy Greer), mãe e empresária de
Hannah. Ela quase namora Kent Mooney – relacionamento que poderia resolver
parte das frustações que atingem ambos.
Desse “balaio de gatos” – onde o olhar
crítico do espectador se perde entre tantos personagens superficiais e
situações dramáticas mal resolvidas – surge um filme que utiliza um tom
narrativo mais contido, menos agressivo que o livro.
Homens, Mulheres e Filhos revela – de forma eficiente – que as demandas individuais raramente são contempladas e que a vida coletiva encontra obstáculos que parecem intransponíveis. Mas, ao contrário do romance, o filme mostra a possibilidade de uma rota de fuga. Felizmente.
Homens, Mulheres e Filhos revela – de forma eficiente – que as demandas individuais raramente são contempladas e que a vida coletiva encontra obstáculos que parecem intransponíveis. Mas, ao contrário do romance, o filme mostra a possibilidade de uma rota de fuga. Felizmente.
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