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segunda-feira, 4 de maio de 2015

HOMENS, MULHERES E FILHOS

A maneira com que o cinema costuma melhorar certas narrativas deve ser encarada como um dos fenômenos mais estranhos da indústria cultural. Sem entrar no mérito da questão, usualmente acontece o contrário. Ou seja, não há novidades quando um bom livro – projetado na tela em branco – se transforma no irreconhecível. Faz parte do propósito capitalista, que, em nome do lucro, sacrifica a qualidade ou o bom gosto (independente do que signifique esses conceitos). Mais escassas são as situações em que o filme está no mesmo nível do texto. Há exemplos bastante interessantes das três experiências. Não é necessário nominar situações extremas, embora Morte em Veneza (Dir. Luchino Visconti, 1971), baseado no romance de Thomas Mann, e O Leopardo (Dir. Luchino Visconti, 1963), baseado no romance de Giuseppe Tomazi di Lampedusa, sejam filmes/livros modelares nessa discussão.

Homens, Mulheres e Filhos, romance escrito por Chad Kultgen, ambiciona ser uma radiografia das carências afetivas e sexuais dos estadunidenses. O narrador onisciente, abusando do cinismo e da falta de esperanças, segue um ritmo linear, embora entrecortado por diversos episódios simultâneos. Maridos e esposas que não se entendem e procuram pelo prazer no corpo de outras pessoas, adolescentes obcecados pela primeira experiência sexual, pornografia on line, ausência de escrúpulos na vida particular – todos esses ingredientes resultam em um hiper-realismo que perturba, que parece exagerado. Não é. Exagerado. A vida “real” está repleta de personagens infelizes, que procuram a salvação ou a redenção através de ações desesperadas.

Homens, Mulheres e Filhos (Men, Women and Children. Dir. Jason Reitman, 2014), filme baseado no romance homônimo, não segue fielmente o esquema narrativo original. Aliás, na parte final, toma rumo completamente oposto ao que está proposto no livro. Algumas cenas foram cortadas. Alguns personagens, eliminados. A obsessão sexual foi amenizada. Ou seja, o filme melhorou em 300% um livro chato. Além disso, projetou um fio de vida em figuras dramáticas que, quando espelhadas no papel, não convencem.

Seguindo o esquema proposto pelo livro, o filme se concentra em diversos núcleos dramáticos – embora, por conta do politicamente correto e dos códigos de moralidade de Hollywood, aumente significativamente a idade dos adolescentes. O cinema estadunidense não tem autonomia para contar histórias perversas envolvendo adolescentes de 14, 15 anos.

No primeiro plano, o casal Don e Helen Truby (Adam Sandler e Rosemarie DeWitt) vive uma crise conjugal. Ele, depois de consumir toneladas de pornografia virtual, se envolve com prostitutas. Ela, através de um portal de encontros, mantém relações sexuais com diversos homens. O filho do casal, Chris (Travis Tope), apresenta um quadro patológico, de caráter sexual, que – provavelmente – deve fazer a fortuna de vários psicanalistas. Sua namorada, a líder de torcida Hannah Clint (Olivia Crocicchia), sonha em ser estrela de reality show. Mais do que um bloco familiar disfuncional, eles refletem o comportamento doentio que caracteriza a vida contemporânea.

No segundo plano, Tim Mooney (Ansel Elgort), astro do time de futebol da escola, entra em crise emocional e resolve abandonar o esporte. Como não consegue superar a incompreensão do pai, Kent Mooney (Dean Norris), e dos amigos (que o culpam pelos péssimos resultados da equipe), passa quase todo o tempo livre jogando on line. Entre a escola e o mundo virtual, namora Brandy Beltmeyer (Kaitlyn Dever), filha de Patricia Beltmeyer (Jennifer Garner), que transformou a vida familiar em uma obsessão com predadores na Internet. 

No terceiro plano, uma típica história de high school. Allison Doss (Elena Kampouris) está apaixonada por Brandon Lender (Will Peltz), que considera o garoto mais bonito da escola. Na primeira oportunidade, ela vai para a cama com o sujeito – embora esteja ciente de que ele não leva em consideração quaisquer sentimentos. Ele quer sexo, apenas isto.

No entrecruzamento, entram em cena diversos personagens secundários, inclusive Donna Clint (Judy Greer), mãe e empresária de Hannah. Ela quase namora Kent Mooney – relacionamento que poderia resolver parte das frustações que atingem ambos.

Desse “balaio de gatos” – onde o olhar crítico do espectador se perde entre tantos personagens superficiais e situações dramáticas mal resolvidas – surge um filme que utiliza um tom narrativo mais contido, menos agressivo que o livro. 

Homens, Mulheres e Filhos revela – de forma eficiente – que as demandas individuais raramente são contempladas e que a vida coletiva encontra obstáculos que parecem intransponíveis. Mas, ao contrário do romance, o filme mostra a possibilidade de uma rota de fuga. Felizmente. 

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