Páginas

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Das razões da fundação de Lages

 

(Estátua de António Correa Pinto de Macedo. Foto de arquivo - PML)

Em carta de 24 de dezembro de 1766, dirigida a Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), Conde de Oeiras, mais tarde Marquês de Pombal, Luis António de Souza Botelho Mourão (1722-1798), 4º Morgado de Matheus, Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, afirma que as terras que circundam a região conhecida como das Lagens eram propícias para a implantação de fazendas de gado e o cultivar de todos os tipos de frutos.

Ressalta que o local, distante mais de cem léguas de Curitiba, precisava ser povoado para acudir aos moradores daquele Certão com a administração dos Sacramentos por estarem ali vivendo muitos que se retirarão do Rio Grande de São Pedro, e outros criminosos que se refugiarão por aquellas partes e estão vivendo nos mesmos crimes (sic).

Por trás desse discurso civilizatório, que elogia a fertilidade do solo e, simultaneamente, se mostra preocupado com a segurança dos primeiros habitantes do Planalto Serrano, é possível entender que a ocupação física e militar da região atendia aos interesses geopolíticos de Portugal, que desejava impedir a expansão das colônias do reino de Espanha na América do Sul – assegurada pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494. A fundação da Colônia de Sacramento (1680), e as diversas complicações que resultaram da aventura, talvez sejam alguns dos sinais mais evidentes dessa proposta.

A expedição de António Corrêa Pinto de Macedo (1719-1783) seguiu o plano de ocupação territorial portuguesa. A povoação deveria ser instalada nas bordas do Rio das Pelotas ou nas margens do Rio das Canoas (caudalosos e rápidos, abundantes em peixes). Ou seja, em lugares onde eram menores as dificuldades para garantir a subsistência dos novos moradores e seria possível fazer com pouca gente a mayor defença contra o mayor ataque que possa haver em alguma invazão do inimigo (sic). Entenda-se como inimigo, as forças militares que não eram lusitanas e os aborígenes que habitavam as proximidades da futura povoação.

Outro motivo estratégico estava assentado na possibilidade de socorrer a Vila de Santo António dos Anjos da Laguna, situada em frente ao oceano Atlântico e, portanto, vulnerável aos ataques dos castelhanos, como o que aconteceu em fevereiro de 1777, quando Pedro Antonio de Cevallos Cortéz y Calderón (1715-1778), Vice-Rei do Rio do Prata, avançou pelo litoral do sul do Brasil, arrasando o que encontrou pela frente, e só parou quando conseguiu ocupar Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis). A manobra defensiva poderia acontecer, em sentido inverso, se o ataque ocorresse em campo aberto, cabendo às forças lagunenses socorrer aos que estavam sendo ameaçados no alto da Serra.

Essa segunda possibilidade foi manifestada em carta de 1766, ao Coronel José Custódio de Sá e Faria (1710-1792), Governador da Capitania de Rio Grande de São Pedro, quando o Morgado de Matheus alertou para as conveniências decorrentes de fortificar a área abrangida pelo Rio das Pelotas, principalmente contra as tropas do império espanhol, que poderiam tentar ampliar os seus domínios partindo do território conhecido como das Missões.     

António Corrêa Pinto de Macedo relutou em aceitar a missão de fundar uma povoação no “Certão de Curitiba”. Um de seus desafetos, Pedro da Silva Chaves (1703-1781), estava refugiado naquelas paragens e vivendo a lei segundo as suas vontades. Queria evitar o confronto, que poderia resultar em derramamento de sangue. Outro impedimento era a idade, 47 anos. Faltava-lhe disposição para se transformar em desbravador.

Suas objeções não foram levadas em consideração. Foi promovido a Capitão-Mor Regente do Certão de Curitiba (9 de julho de 1766) e ficou sem alternativa. Com um pequeno grupo de bandeirantes, as bruacas e canastras repletas de mantimentos, pólvora, chumbo e ferramentas, marchou para o interior do país, seguindo o traçado da Estrada do Sul. Depois de vencer muitos obstáculos, cruzando Lapa, Passa Três (atual Rio Negro), Ribeirão do Mato do Espigão (atual Mafra), Campo Alto (atual Santa Cecília) e Campo dos Curitibanos, chegou à região serrana em 22 de novembro de 1766.

A história de Lages estava começando. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário