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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

O HOMEM DO CASACO VERMELHO

 


O homem do casaco vermelho, de Julian Barnes (Rio de Janeiro: Rocco, 2021) é uma espécie de história social da França e da Inglaterra. Quer dizer, uma espécie de história sexual da França e da Inglaterra. Aparentemente, na virada do século XIX para o XX, todos dormiam com todos. Bastava um olhar convidativo e animais, vegetais e minerais se encaminhavam para a cama ou para qualquer lugar onde a troca de fluidos e humores fosse possível. Tudo muito civilizado, discreto na medida do possível, e seguindo a regra proposta por Mrs. Patrick Campbell, não importa o que você faz no quarto, desde que não o faça na rua e assuste os cavalos.

Ao centrar o seu livro na vida de Samuel Jean de Pozzi (1846-1918), um célebre ginecologista e cientista francês, Julian Barnes conseguiu reunir uma série interminável de narrativas sobre as aventuras fesceninas de algumas das mais importantes celebridades do fin-de-siècle. A alta sociedade (masculina, branca e rica) se reunia em alcovas pouco recomendáveis (quando não estava envolvida em questiunculas literárias ou lavando a honra em duelos sem sentido). 

Em outras palavras, a roda do mundo costuma girar com mais intensidade quando aborda a vida dos outros. E é disso que o livro trata, independente de que alguns personagens coadjuvantes foram dizimados pela poeira do tempo. Só restaram cartas, recortes de jornal, livros de memórias, depoimentos e algumas fontes históricas pouco confiáveis – recheadas por boatos disparatados e reputações conspurcadas pela perversidade e pela maledicência. Em sociedade tudo se sabe e se comenta. E ninguém perdoa ninguém.

Pozzi, além das inúmeras contribuições na área médica (escreveu um manual de ginecologia, defendeu procedimentos de assepsia, contribuiu com técnicas de laparoscopia, interessou-se por transplantes), colecionava obras de arte, amigos e amantes (a mais célebre foi Sarah Bernhardt). Sujeito simpático na vida social e profissional, nunca conseguiu equilibrar as crises familiares.  Alguns depoimentos de sua filha, Catherine, são adequados para algum estudo de caso psicanalítico. As brigas com a esposa, Thérèse, espelham um ambiente familiar hostil. A separação do casal aconteceu em 1914, depois de três filhos e mais de 30 anos de casamento.

Naquela época, Paris e Londres eram os únicos lugares do mundo onde era possível encontrar em qualquer esquina alguns dos personagens que caracterizaram um dos grandes momentos da história do jornalismo, do teatro, da literatura, das artes plásticas e da política: príncipe Edmond de Polignac, conde Robert de Montesquiou-Fezensac, os irmãos Marcel e Robert Proust, Henry James, Oscar Wilde, Jean Lorrain, Jules Barbey d’Aureville, Edgar Degas, John Singer Sargent, Emile Zola, Leon Daudet, Alphonse Daudet, Joris-Karl Huysmans, Sadi Carnot, Jules Renard, Guy de Maupassant, os irmãos Edmond e Jules Goncourt, entre outros. Nessa festa (em que os convidados constituíam uma miríade de egos inflados, inflamados pela fama e pela vaidade) era possível fazer as maiores loucuras e sem olhar para as consequências. Como é de praxe no mundo burguês, poucos receberam o devido castigo.

O homem do casaco vermelho é um livro em que o cheiro de suor e esperma extrapola o aroma dos melhores perfumes franceses. Provavelmente isso não incomodava os convivas da grande festa que caracterizou aquele período sociocultural. Talvez tenha servido de afrodisíaco para que o banquete dos corpos adquirisse novos temperos.

Para quem se interessa por parte da história da Belle Époque, é leitura imprescindível.


Julian Patrick Barnes





 

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