O passado é uma névoa que vai se desmanchando lentamente. Muitos personagens e lugares desapareceram na poeira do tempo. A vida é transitória. Lembrar se impõe como forma de resistência ao esquecimento.
a) As crianças ficavam em frente da vitrine do Bazar Danúbio com o mesmo brilho no olhar com que cobiçavam os doces da Confeitaria das Famílias.
b)
Assistir as partidas
de basquete no sábado, ir à matinê de domingo no Cine Tamoio, emprestar livros
na Biblioteca Pública, aulas no Centro Educacional, comprar bilhetes da rifa na
festa da Igreja da Santa Cruz, ir ao Festival de Teatro de Lages (FETEL),
sonhar com amores que jamais olharam para o nosso rosto. Tudo era mistério e
tudo era bom.
c)
No salão de sinuca
do Clube 14, o De Carli conseguia controlar a “jeunesse dorée” da época, todos
tratados com o carinho adequado à futura elite econômica da cidade. Divididos
entre partidas de pebolim e “vida”, ensurdeciam o mundo com palavrões e ameaças
de brigas. No andar de cima, Orimar Gentil Demeneck, a gentileza em pessoa,
servia doses generosas de uísque falsificado para a turma do João Saldanha
(leia-se Esporte Clube Internacional).
d)
Em que mundos
paralelos estão perdidos Rei do Frango, Marroquinhos, Gaitaço, Bolicho, Gato de
Botas, Paraphernalia, Boemia, Caravelle, Lennon’s, Kalash, Maria Maria, Five
O’clock, Casa do Suco? O som da sirene da Rádio Clube serve de lembrança para
tardes e noites no Aeroclube, no Portuga’s, no Sentinela, no Porteira Serrano,
no 25 ou talvez, naqueles tempos de carência, quando não se podia dizer que
dessa água não beberei, no Gato Preto ou na Boate do Mário.
e)
No King’s Sauna
reinava Waltrick, um cabeleireiro com ares intelectuais, que lia Laranja
Mecânica e Adelaide Carraro com a mesma curiosidade.
f)
Como esquecer as
noites intermináveis no Cisne Branco quando, fugindo do terceirão do Colégio
Diocesano, alguns alunos preferiam ter “aulas” com o pessoal mais velho: Athos
Athayde, Rogério Castro, Wilson Vidal Antunes Júnior, entre outros? A
cerveja, sempre gelada, e a fumaça dos cigarros envolviam tudo e todos, dando
um colorido que nunca mais se repetiu.
g)
Algumas coisas se
apresentam como surpresa. Talvez seja essa a maneira mais fácil de
explicar a passagem meteórica do Alencar (Pizzaria PX) por Lages. Um anjo da guarda
muito desajeitado e que nunca economizou afeto.
h)
Almoços de
sexta-feira na Churrascaria Joia (antiga rodoviária). Uma vitrola antiga,
discos de vinil, musica caipira, volume acima do suportável.
i)
Poucos conseguem
esquecer o Jader Rocha, na porta do Café Ouro, cigarro na mão, pose de astro do
cinema francês. Enquanto isso, os fregueses do almoço, servidos pelo Gilmar
(que, mais tarde, se transformou em radialista), devoravam enormes coxas de
frango. Nesse mesmo balcão, em um fim de tarde, sem saber o que fazer da vida,
Pedro Leite e Itamar Garcez, jornalistas do Diário Catarinense, olhavam para o
nada, mortos de saudades da Porto Alegre que, a cada minuto, se tornava mais
distante.
j)
Em momento
impreciso, no Lanchik, lugar onde todos iam comer “sanduíche americano” e beber
a sempre eterna pilsen da Antarctica, apareceu Henrique Belling, vindo de São
Paulo, Nova Iorque ou de algum outro paraíso exótico, e ergueu do solo todo
mundo num abraço interminável, uma ternura que poucas vezes a província conseguiu
sentir.
k)
As vozes de Ademir e
Toni, cantando boleros, ecoava na Cantina Del Nonno – destino inevitável em
algumas noites em que a fome se manifestava de forma incontrolável.
l)
Zezé (José Carlos
Suzin) costumava caminhar pelo calçadão. Leitor do Pasquim, sempre tinha uma
história para contar, saudoso de um Rio de Janeiro mítico que ficou preso no
passado.
m)
Elionir Martins de
Liz irradiava o poder agregador. Foram inúmeras as vernissages em que reuniu
Nelson Di Córdova, Márcio Camargo Costa, Adilson Guanabara, Jonas Malinverni, Rudimar Cifuentes, Lota Lothar Cruz, Gilca Maria Silva,
Nereu de Lima Goss, Katia Volkert e Clênio Souza em conversas regadas a vinho
de garrafão e queijo colonial.
n)
Francisco (Chico) de
Assis e Estevam Borges, jornalistas que transcenderam o tempo e o espaço e se
tornaram mestres de uma geração.
o) As disputas esportivas entre os colégios eram uma forma de integração e divertimento. O mesmo se pode dizer dos festivais de música (Fesinc, Feinc, Fejuc, Festinver).
Falta alguém para narrar essas
confusões. É material para um romance. Ou dois.
(Fotos do Arquivo da Prefeitura Municipal de Lages)
Mandando para Meu irmão. Como uma década faz diferença e como tanta coisa aí já não conhecemos porque saímos daí nos anos 70. Mas tem muito de nós também.
ResponderExcluirFaltou relatar a parte esportiva com Camargo Filho e outros. Mas a narrativa foi uma viagem ao passado. Parabéns Raul.
ResponderExcluirTive o prazer de tomar uma gelada acompanhado do então ADV Rogério Castro, juntamente com seus filhos Beto e Bada, hoje ambos delegados. Que saudade
ResponderExcluirEssa foi a Lages que conheci,a orgulhosa Princesa da Serra que a muito deixou de existir.
ResponderExcluirHoje é só esquecimento... nem histórias e lembranças atuais existem,tudo perdido no descaso da falta de selo com o patrimônio histórico.
Te digo Raul que no passo que Lages vai,cada esta se extinguindo nas brumas do tempo...
Fiz um passeio ao passado. Deixei Lages no fim dos anos 80 e retornei agora. Não reconheço a cidade, as pessoas.
ResponderExcluirMuita saudade e isto traz tristeza pelas casa antigas patrimônio da cidade que já não existem dando lugar a uma modernidade que nunca poderá ser chamado de reliquia de outros tempos, como eram estas casas. Mas obrigada por estas lembranças...e ainda tinha o juvenil. Muito legal.
ResponderExcluirUma lembrança de um passado já meio distante um abraço cletoflorencio Souza és radialista na época antiga de lages obrigado pelas lembranças
ResponderExcluirO que pensar da Lages atual. Só uma pergunta Raul: onde está o centro histórico de Lages, lugar comum de uma cidade que guarda seu passado, sua Historia?
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