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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

DOIS ENCONTROS COM SÃO BOM JESUS

 

(Foto: Antônio Agostinho Vieira - PML)

Toda família católica tem (ou tinha) um santo de estimação. Uma espécie de anjo da guarda particular. Alguém a quem recorrer em caso de necessidade (ou desespero). Na nossa era comum pedir a proteção de Santa Bárbara (em dias de tempestade), São Cristóvão (em viagens), Nossa Senhora Aparecida (no dia a dia), São Longuinho (para o que se perdeu) e São Judas Tadeu (nos momentos em que todos os recursos pareciam esgotados). Outros santos também eram invocados, mas não lembro quais.

Na infância, tive alguma doença, algo grave, mas não sei exatamente o quê. O que importa saber nessa história é que minha mãe fez “promessa” para São Bom Jesus de Iguape, tido (naquela época) como um santo milagroso. 

Simplificando o causo, nas férias de fim de ano, em 1965 ou 1966, fui com meu pai até Iguape pagar a promessa, ou seja, depositar mechas de meu cabelo na sala de ex-votos do santuário. Foi um daqueles momentos mitológicos, onde estar longe de casa ainda hoje me parece ter sido mais interessante do que o motivo da viagem. Caminhão, trem, carroça, ônibus – independente do veículo, foi uma aventura inesquecível. Depois de tanto tempo, nunca esqueci o olhar de tédio do pai, um cigarro aceso na guimba do outro, um copo de café atrás do outro, o olhar perdido no horizonte, talvez se perguntando do porquê de estar acompanhando o filho naquela viagem insensata (quase 950 km de estrada).

Por fim, depois de algum tempo, talvez uns dois dias, chegamos lá, fizemos o que precisava ser feito, sem se esquecer de trazer para casa alguns fragmentos da famosa rocha ferrosa (que, dizem os devotos, deve ser depositada em água benta, uma beberagem que serve para curar os mais diversos males).

Recentemente, uma conjunção de fatores me levou até a gruta de São Bom Jesus, no bairro Ipiranga (antiga Lomba Seca). Foi o estopim para que esse redemoinho de imagens e vozes que povoam as recordações voltasse à tona. Como um bônus, lembrei que houve um tempo que era comum a realização de quermesses nesse lugar. As pessoas se reuniam para a missa, o churrasco, o bingo, os namoros. As crianças corriam para lá e para cá, sem se preocupar com o futuro. Era tão bom e divertido que o povo, em perfeita comunhão com a natureza, estendia toalhas xadrez no gramado e repartia a comida com os amigos (e, inevitável, com as formigas).

Em algum instante, provavelmente na adolescência, movido por outros interesses, perdi o interesse por essas coisas. Só fui voltar à região muitos anos depois, movido por algum assunto profissional, reuniões da Associação de Moradores com as autoridades municipais.

Depois de alguns dias de chuva, na gruta de Sambão Jesus (na definição bem-humorada de Edézio Nery Caon), renovei os laços com o sagrado. Acendi velas, fiz orações (a minha maneira) pelos que não estão mais entre nós, pelas coisas que foram se perdendo pelo caminho. Fui envolvido pelo silêncio. E reencontrei um cenário que se mostrou diferente daquele que tinha guardado na memória. Não me lembrava do filete d’água que escorre em volta da imagem do santo, nem da escadaria lateral. Outra coisa a acrescentar é a intensa ocupação urbana na região – a vegetação nativa foi substituída por casas e pequenos edifícios.

Queria ficar ali por mais tempo, mas nem sempre é fácil pausar a agitação do existir.

Dentro do carro, voltando para o centro da cidade, disse para mim mesmo que, mais do que nunca, estamos vivendo um tempo em que é necessário celebrar a vida, essa soma de histórias e desencontros.      

 

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