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segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

PELÉ

 


O filme Fuga para a Vitória (Escape to Victory. Dir. John Houston, 1982) talvez seja a melhor (ou será a pior?) lembrança que tenho de Pelé, quer dizer, de Edson Arantes do Nascimento (1940-2022). Não lembro se o assisti no Cine Marrocos, uns dois ou três anos depois do lançamento oficial, ou se foi na televisão – muito mais tarde. Não guardei os detalhes desse episódio.

Meu interesse no filme não estava voltado aos clichês que são oferecidos ao espectador: um jogo de futebol como forma de distrair os guardas do presídio nazista e proporcionar a fuga dos ianques. Queria ver Michael Caine e Max von Sydow,  atores “de verdade”. A participação de Sylvester Stallone, Bobby Moore e Pelé era acessória (e, de certa forma, pirotécnica). O gol de bicicleta (tão artificial quando pode ser qualquer coreografia) vale o preço do ingresso. De resto, o filme é ruim.

A primeira vez que vi Pelé jogar foi pela televisão (em preto e branco), na Copa do Mundo de 1970. Mas, não lhe atribui muita importância. Em minha opinião, aquela equipe tinha jogadores mais talentosos: Rivelino, Tostão, Jairzinho. O Pelé que eu admirava tinha ficado preso ao passado glorioso do Santos Futebol Clube (a soma dos títulos do Campeonato Brasileiro, da Libertadores, dos dois Mundiais contribuíam para essa postura).  

Como todo cinéfilo, esporadicamente via imagens de Pelé no cinejornal Canal 100, que passava antes dos filmes. Ao som de Na Cadência do Samba (que bonito que é), um clássico chicletão da época, lances espetaculares eram repetidos à exaustão. Muitas vezes a programação do cinema mudava, mas o Canal 100 continuava imutável – e ninguém se importava muito sobre isso, porque essa propaganda subliminar (com propósitos ideológicos muito bem definidos) proporcionava euforia, entusiasmo e nos fazia acreditar que o Brasil era o melhor país do mundo (principalmente antes de 1985).

O tempo é um dos melhores métodos de reciclagem. Reavaliei o que pensava sobre Pelé (talvez um pouco tarde demais) quando percebi que existia um toque artístico em cada drible, nas definições das jogadas. Os passes ou gols encontravam equivalência nos versos de um poema (e que ampliava a intensidade em cada jogo). Muitas vezes, a arte não se revela ao primeiro olhar ou então (o que é mais triste) não conseguimos alcançá-la. Essa separação das impurezas só ocorre com a experiência, com o infinito tropeçar da vida. Quando vejo algum vídeo de partidas antigas, muitas vezes para esquecer resultados do clube da Baixada Santista no Campeonato Brasileiro, percebo (descontadas as diferenças temporais e a evolução do jogo) que não há comparação – a ideia de jogar para frente, de levar cinco gols e fazer seis, deixou de existir, foi substituída pela retranca, pelo receio de perder. O Santos dos bons tempos (que não são os de agora) jamais concordaria com isso e Pelé, artilheiro à flor da pele, mostraria aos adversários que o medo é o primeiro passo para a derrota.

Fora do futebol, parte da mitologia desmoronou. O estranho relacionamento com a ditadura militar (muitas vezes negando os abusos que ocorriam na época), o romance com Maria das Graças Xuxa Meneghel (1981-1986), o Ministério dos Esportes no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), a acusação de abandono parental, as referências em terceira pessoa – são episódios que, embora não o tivessem “cancelado” (como se diria atualmente), não acrescentaram elogios. Ao contrário, mostraram (como acontece com aqueles que são endeusados) que ele era sujeito a falhas, a equívocos. 

Nos últimos anos, vítima de um câncer de cólon, foi internado em hospitais diversas vezes. Faleceu em 29 de dezembro de 2022. Depois de incontáveis homenagens no Estádio Urbano Caldeira (Vila Belmiro), foi enterrado, no dia 03 de janeiro, no Memorial Necrópole Ecumênica, em Santos (SP).

   


DUAS QUESTÕES ACESSÓRIAS

1) Deve o Santos Futebol Clube impedir que outro jogador utilize a camisa 10, como uma homenagem ao "Rei" Pelé? Existem defensores para qualquer uma das respostas possíveis. Se o bom senso prevalecer, a resposta será um sonoro não (Pelé era contra a aposentadoria da camisa).  

2) A ausência de alguns jogadores (principalmente aqueles que jogaram as últimas Copas do Mundo) e de Adenor Leonardo Bacchi (Tite) no funeral de Pelé causou incontornável constrangimento. A soma dos múltiplos ressentimentos, além da negação da importância dos principais personagens da história do esporte, provavelmente explicaria esse afastamento emocional. Questões financeiras também podem ter contribuído. 


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