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segunda-feira, 13 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXIII)



Segunda-feira é dia de ir ao supermercado. Depois de dois dias trancado dentro de casa, foi bom estar na rua. Apesar do perigo anunciado pelo agravamento da pandemia no Planalto Serrano, senti a necessidade psicológica de ir a algum lugar mais longe do que a lixeira do prédio.

Dentro do templo do consumo, fui escolhendo os produtos e colocando-os na cestinha. Entrei na fila do caixa, procurando manter a distância mínima com as outras pessoas. Na minha vez, o atendente começou a somar as compras. E a história poderia terminar por aqui, exceto por um detalhe quase insignificante: não encontrei o cartão de crédito. Vasculhei a carteira, os bolsos, a memória. Onde será que o deixei?  

Sem alternativa, sem o dinheiro de plástico, nada restou senão pedir desculpas e abandonar os produtos que pretendia comprar. Fui para casa. Enquanto percorria as três quadras que separam os dois pontos, fiquei imaginando quantos aborrecimentos teria que enfrentar se o cartão desaparecer para todo o sempre. Além de registrar Boletim de Ocorrência na delegacia, far-se-á necessário ir ao banco, explicar que sou distraído e que perdi o cartão. A pior parte dessa comédia inclui ouvir um desinteressado “Isso acontece todo dia”, seguido de algum riso nervoso e a promessa de cancelamento imediato. Depois de assinar alguns formulários, alguém me avisará que terei que esperar algum tempo até que providenciem um cartão provisório ou um novo. Não é isso o que eu quero.

Nessas horas, como um prêmio, a dor de cabeça se manifesta. O incômodo vai se espalhando lentamente, parece uma torneira que não para de pingar. Para agravar, lembrei que dormi mal na noite anterior, a insônia apareceu depois das 04h30min e só me largou lá pelas 06h30min. Então, também acrescentei esse elemento na lista de desgraças.   

O cartão tem que estar em algum lugar, disse para mim mesmo, como se o destino do mundo se baseasse nesse fio de esperança. Ao entrar no apartamento, comecei a procura nos lugares óbvios – que são os locais onde nunca encontramos o que estamos procurando. A sensação de que algumas coisas estão em constante estado de fuga sempre me atormentou. E isso parece se agravar em momentos críticos. Mais um tópico para conversar com o psicanalista (por enquanto, inexistente).

Depois de vasculhar o apartamento, sentei no sofá do escritório. Repassei as últimas vezes em que usei o cartão de crédito. Não pedi comida pelo telefone no domingo. Mas,... ah, surgiu um luz no final do túnel. No sábado à noite... Então,... onde foi parar o desaparecido? No bolso do moletom, junto com o comprovante da máquina de crédito.

Olhei para aquele retângulo que substitui as cédulas e as moedas e amaldiçoei o capitalismo, o Covid-19, o governo federal e as ilusões da modernidade. Para não perder a oportunidade, incluí nas ofensas mais umas cinco ou seis pessoas que detesto. Acumular amarguras faz mal para a saúde emocional e válvula de escape que se preze deve ser bem abrangente.

Voltei ao supermercado. Refiz as compras, incluindo itens que não estavam na lista original. Chocolate e Coca-Cola, por exemplo. Um pouco de açúcar se faz necessário para diminuir o estresse, para encobrir as trapalhadas.


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