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domingo, 19 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXIX)



A minha primeira quarentena foi consequência de uma crise hepática, lá por 1990 ou 1991, não sei ao certo, anulei muitas das lembranças desse período. Fiquei cerca de um mês deitado, assistindo televisão e reclamando da vida. A parte mais incômoda foi a abstinência alcoólica e de cafeína, que durou um ano. Nunca mais tomei café.

A segunda quarentena aconteceu no verão de 1997. Estava morando em Rio Tavares, sul da Ilha de Santa Catarina, e a situação financeira era caótica – para dizer o mínimo. Aluno do mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, isolado do mundo, deveria aproveitar aqueles três meses para escrever a dissertação. Deveria.

Passava os dias lendo e ouvindo rádio (Itapema FM), escrevia umas resenhas para o jornal A Notícia (Joinville, SC), umas crônicas para O Momento (Lages, SC) e me alimentava de miojo e cerveja. Aos domingos, caminhava uns seis ou sete quilômetros no sol até o Centrinho da Lagoa. Almoçava um filé de linguado, comprava os jornais e voltava para o exílio – de ônibus.

As exceções nessa rotina foram minúsculas. Fui umas poucas vezes até a Universidade. Joguei um torneio no Clube de Xadrez. Aceitei o convite para jantar (duas vezes) com o casal Martin Afonso Palma de Haro e Kézia Lenderly. Ainda hoje evoco o sabor do salmão como uma tábua de salvação daqueles tempos de penúria.



A terceira quarentena foi imediata, mas em outro lugar. Residi durante seis meses em Meia Praia, Itapema. Era uma casa menor do que a outra, mas não tão isolada. Todos os dias, pela manhã, ia ler na praia. A cidade era uma espécie de deserto, só faltavam os rolos de feno rolando pelas ruas. A diversão era alugar filmes na locadora ou ir para Balneário Camboriú (impraticável para quem estava insolvente). Apesar das dificuldades, escrevi pedaços da dissertação. A grande mudança ocorreu quando me ofereceram trabalho temporário na redação de A Notícia. Durante cerca de um mês, estive em Joinville entre a segunda e a sexta-feira. Com esse dinheiro extra, pude passar alguns dias com Mítia – que tinha seis anos na época.

Vinte e poucos anos depois, protagonizo a quarta quarentena. Solicitei licença-prêmio da Prefeitura e ocupo grande parte do meu tempo dentro do apartamento. Lavo diariamente a louça. Procuro ter horário para ler e escrever, embora algumas noites de insônia tenham prejudicado a programação. Saio de casa na medida do necessário (banco, supermercado, farmácia), sempre de máscara e embebedando as mãos com álcool gel. Na volta, vou ao banheiro para retirar a gosma que fica incrustada na pele. Muitas vezes tomo banho. 

O que não dá para controlar é a síndrome do pânico, que se faz presente de vez em quando. Quando isso acontece, tomo chá, escuto um pouco de soft jazz, como um pedaço de chocolate e, algumas vezes, recito mantras. Por enquanto, é o suficiente para manter a serenidade emocional.

Não tenho a mínima ideia de como ou quando essa situação se resolverá. O que sei é 2020 é um ano perdido para algumas pessoas e que o futuro, esse vago mistério, está se desmanchando diante de nossos olhos.  


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