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sábado, 25 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXV)



Sei que é absurdo dizer que alguém se perdeu na cidade em que nasceu. Infelizmente, isso aconteceu comigo. Fui comprar máscaras descartáveis. Não me adaptei com as de tecido. Dois meses atrás, Mítia me levou – de carro – em uma loja lá na Humberto de Campos. Depois, fomos a uma farmácia de manipulação, na Avenida Camões. Esses são os fatos que estruturam o início da peripécia.

Ontem, sai de casa no meio da tarde. Aproveitei o sol forte, fato raro no inverno. Escolhi ir caminhando pela Avenida Presidente Vargas. No meu imaginário, a loja das máscaras estava localizada no Coral. Isso me permitiu a desculpa de passar na padaria localizada na XV de Novembro (rua em que morei, no século passado). Algo como reunir a fome com a vontade de comer (como dizia a minha mãe). Habitualmente, faço esse trajeto em 30, 35 minutos. Não é longe – para quem gosta de caminhar.

Fui procurar as máscaras. Só encontrei a farmácia. Percorri metade da Humberto de Campos e nada. Tentei lembrar o nome da loja, assim poderia pedir alguma informação. Claro que isso não aconteceu. A única certeza que tinha é que precisava encontrar um prédio verde.

Abrigado em uma sombra e, sem alternativa, telefonei para Mítia.

– Cara, estou perdido. Não consigo achar a loja.

– Onde você está?

Forneci as coordenadas e ouvi (embora ele não tenha pronunciado) alguma coisa parecida com nada como um dia depois do outro. É que muitas vezes reclamei dos trajetos que ele escolhe para se deslocar pela cidade. Em seguida, para completar o desagrado, digo para ele consultar o GPS, o mapa, a bússola, o astrolábio, o sextante, os sinais de fumaça, o barulho do tambor, qualquer coisa que possa indicar um caminho mais rápido, menos convencional. Enfim, a velha encheção de saco.

– Você está muito longe. É mais para baixo, bem depois do supermercado.

Agradeci e, para não perder a viagem, fui primeiro à padaria. Salvar o lanche da tarde, naquele momento, se tornou a prioridade. Comprei sanduíches de ciabata e os inevitáveis “travesseiros” com nutella. Depois, segui pela XV de Novembro até a Walmor Ribeiro e voltei para a Humberto de Campos.

A geografia da cidade permite que o deslocamento humano seja prazeroso, detalhes que se somam com detalhes. Basta estar munido com a curiosidade. Lembro que fiquei me perguntando se o homem com a camiseta do Batman era mais infantil que o menino que estava fantasiado de Homem Aranha. Deixei os dois para trás e encontrei a loja.

A inflação mostrou presença no preço das máscaras. Coisas do capitalismo, a oferta e a procura dando as cartas em jogo viciado. Paguei com cartão, opção crédito, o saldo bancário no vermelho, final de mês, essas coisas que dão colorido ao exercício da vida.

Desci a rua, com as sacolas na mão. Em uma das esquinas, encontrei um conhecido. Trocamos meia dúzia de palavras, mantendo a devida distância, as máscaras abafando o som das vozes. Em um bar, mais adiante, vi vários rapazes tomando cerveja. Fiquei com a impressão de que – para eles – não existe motivo para preocupações.

Na Avenida Duque de Caxias, tomei o caminho de casa. A Avenida Belisário Ramos, margeando o rio Cahará, parece abraçar (e separar) partes da cidade.

Deveria ter sido uma caminhada de hora e vinte, mais ou menos. Levou duas horas e meia. Cheguei em casa cansado. E um pouco mais humilde.  


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