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terça-feira, 14 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXIV)



Tenho ocupado parte do meu tempo livre com sessões de cinema. Quer dizer, estou assistindo DVDs do meu acervo e alguns filmes que estão disponíveis gratuitamente na Internet. Não é o ideal, porque – para mim – o conceito de cinema exige tela grande, som original e, em alguns momentos, pipoca. Sem esses itens, o show fica, para usar uma expressão que caiu em desuso, demi bombé.

No momento, estou assistido um festival de filmes franceses. Dos 50 que podem ser acessados sem custo financeiro, devo ter visto 15. Talvez menos. Comecei com as comédias, vi alguns desenhos (Asterix) e agora estou passeando pelas sessões dramáticas.

Uma das principais qualidades de um festival está em mostrar filmes para todos os gostos e que – mesmo que isso pareça uma heresia – alguns são ruins. O colonialismo nos aprisionou na ideia de que o cinema europeu é sinônimo de obra de arte. Isso está muito longe da realidade. No caso específico de França, precisamos ter consciência de que os filmes dirigidos por Jean-Luc Godard, François Truffault, Alain Resnais, Jacques Tati e Louis Malle, entre outros, não podem ser confundidos com o todo da produção cinematográfica francesa.  

Dos filmes que assisti e gostei, destaco Luta de Classes (Dir. Michel Leclerc, 2019), O Mistério de Henri Pick (Dir. Remi Bezançon, 2019) e Primeiro Ano (Dir. Thomas Lilti, 2019). Vale uma menção honrosa para Meu Bebê (Dir. Lisa Azuelos, 2019).


Chiara Mastroianni

Na categoria ours concours, o primeiro lugar vai para A Última Loucura de Claire Darling (Dir. Julie Bertuccelli, 2019), filme que focaliza um tipo singular de drama familiar. Ao acordar em um dia de verão, Claire Darling, imaginando que a morte se aproxima, decide fazer uma “venda de garagem” com todas as antiguidades que colecionou durante a sua vida. Móveis de 200 anos, coleção de bonecas de porcelana, relógios, quadros, livros. Ela está se desfazendo de tudo – simultaneamente, a memória reconstrói o passado através de episódios esparsos, obrigando o espectador a encaixar as peças do quebra-cabeça para obter uma imagem aproximada dos acontecimentos. É essa atitude, onde a dor se manifesta como potência, perda, doença e velhice, que permite um reencontro entre Claire, a mãe (Catherine Deneuve), e Marie, a filha (Chiara Mastroianni). Mas, fugindo do estereótipo, não se trata de uma história de redenção ou de final feliz. Estar juntas, depois de vários anos de ressentimento mútuo, se torna mais importante do que encontrar uma solução para o conflito – que por si só se mostra insolúvel, porque escorado em duas mortes: a do marido/pai e a do filho/irmão.  

Quando Claire Darling decide vender os objetos, ela também está elaborando uma cerimônia do adeus particular e fornecendo substância para os próximos acontecimentos. A deterioração mental, a culpa e a solidão se somam em imagens e delírio. No final, somente a presença da filha se mostra importante – mas sem que isso implique em afeto.



P.S: O Festival Varilux de Cinema em Casa pode ser acessado gratuitamente até o dia 27 de agosto.






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