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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

ORIDES FONTELA (1940−1998)

Dizem que Orides de Lourdes Teixeira Fontela gostava de gatos e era louca. A primeira parte é verdade, a segunda... também – nenhum poeta consegue escapar da voracidade que contorna a tragédia pessoal. Sobrevivência é mais do que um substantivo perdido nas páginas frias dos dicionários. É promessa de redenção. É compromisso de viver o próximo dia com intensidade superior ao anterior. Bendita a sede / por congregar−nos em torno / da fonte.

Mulher, poeta e pobre: triste coleção de infortúnios em um mundo em que a razão e a ternura foram substituídas pela barbárie capitalista. Professora do ensino fundamental. Bibliotecária. Encrenqueira. Filósofa. Artífice. Tudo / será difícil de dizer: / a palavra real / nunca é suave. (...) (Toda palavra é crueldade.)

Foi "descoberta" em São João da Boa Vista (interior de São Paulo). Foi salva da glória menor que é reservada aos "poetas municipais". A crítica a acolheu desde o início (Transposição, 1969). Poucos leitores, poucos amores, muitas dores. A raiva corroendo o corpo frágil, afastando amigos, destruindo pontes, se espalhando em destroços e cores. Translúcida insanidade com contornos zen-budistas. Sombras amargas que seguem/perseguem o inefável. Afável é adjetivo que nunca lhe caiu bem. Cultivava outra moda: a do insulto, do desprezo, do mal−querer. Jamais adotou artimanha de fraco. Não foi surpresa ter morrido sozinha. Costumava declamar poemas (a voz empostada, ritualizada, solene) como se estivesse rezando: – é proibido / voltar atrás / e chorar.

Versos incandescentes renovam e repetem novos e velhos pensamentos. Repetem o que já se ouviu. Repetem de forma diferente, acrescentando significados, repartindo ilusões. Poemas são símbolos ou cicatrizes. Simplicidade de quem bebe água na fonte. Nunca negou (ao contrário, sempre confirmou) a herança e o diálogo com Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Complementares, cada um enfrentando, destruindo, passando por cima ou contornando as pedras que surgem pelo caminho. Versos de fina tessitura a de/cantar teoremas e silêncios, a ler o desassossego, a nomear sentimentos, a repudiar o inominável. A tarde em mim se / repete / e nunca surgem as estrelas.

Versos são tijolos arremessados contra as vidraças da mediocridade. Poetas são donos de olaria. Repetem incansavelmente o gesto. Entre a mão e o braço, um arco a descrever a fúria. O objeto se desloca em velocidade constante. O choque. O ruído. O estilhaço. Único verso. Universo. Reverso. Transverso, travessura. A palavra vencida / e para sempre inesgotável.

Espectros / farejam todos / os rumos. O sanatório em Campos do Jordão. Poetas deveriam ter alvarás para viver mais do que 58 anos. Dentro dos livros, algumas palavras se repetem incansavelmente: água, pedra, pássaro, flor, sol, estrela, silêncio. Talvez, no fim da tarde, ao abrir a Carta, seja possível descobrir que Da / vida / não se espera resposta.




VIAGEM
(
Orides Fontela)

 

Viajar

mas não

para

 

viajar

mas sem

onde

 

sem rota sem ciclo sem circulo

sem finalidade possível.

 

Viajar

e nem sequer sonhar−se 

esta viagem.

2 comentários:

  1. Boa tarde amigo com paz e amor, permita-me...
    Sempre entro aqui e saio calado, venho apenas para aprender, parabéns é um belo trabalho, hoje falo um pouco para agradecer, obrigado pela doação, paz ao seu coração e seja feliz!

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