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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

KONSTANTINOS KAVÁFIS (1863−1933)

Nascido em Alexandria (norte do Egito), sétimo filho de rico comerciante, Konstantinos Kaváfis foi funcionário publico a vida toda. Depois da morte do pai, em 1870, a família teve dificuldades financeiras. Foram morar em Liverpool, na Inglaterra. O regresso ocorreu dois anos depois, em situação bastante precária. Depois que terminou a Escola de Comércio, Kavafis ingressou no serviço público (Departamento de Irrigação). Com exceção das viagens que fez à Inglaterra (1897) e à Grécia (1901 e 1932), viveu o resto de sua vida em Alexandria.

Era um perfeccionista. Autor de apenas 154 poemas, nunca permitiu que eles fossem publicados em livro. Dizia que não estavam prontos, que precisavam de revisões. Foi com esse argumento que impediu que T. S. Eliot e E. M. Forster (admiradores de sua poesia) publicassem uma edição inglesa.

NA RUA

(Trad. José Paulo Paes)


Um rosto simpático, ligeiramente pálido;

olhos castanhos, como que pisados;

parecem quando muito vinte os seus vinte e cinco anos.

Tem um não sei quê de artista no modo de vestir−se

– talvez a cor da gravata, o feitio do colarinho;

sem rumo certo vagueia pela rua,

como se hipnotizado pelo prazer ilegal,

o prazer tão ilegal que ainda há pouco desfrutou.



Começou a escrever poesia em 1882, mas renegou quase todos os poemas que escreveu antes de 1911, por considerá-los imaturos (embora À Espera dos Bárbaros, Vozes, Preces e Muros já tivessem sido escritos). Em 1904, editou um panfleto com 13 textos. A edição de 1910 foi aumentada para 21 poemas. Quando estava satisfeito com o resultado do que escrevia, mandava imprimir folhetos ou folhas soltas, que eram distribuídos entre os amigos mais próximos. Muitas vezes, logo depois da publicação, resolvia modificar algum verso ou estrofe. Mandava reimprimir o texto. Em seguida, remetia a nova versão para aqueles que tinham recebido a anterior. A ideia era descartar a versão primitiva.

Em vida, houve grande rejeição à poesia de Kavafis. Parte da intelectualidade helênica costumava zombar dos versos que ele escreveu sobre o homossexualismo – um tema que, independente dos costumes temporais, costuma agredir a moralidade pública. Além disso, poetas menores invejavam o talento do grego que não era grego.

A conferência proferida por Aleko Singopoulos, em 1918, alterou o rumo dos acontecimentos. Na tentativa de impedir que o evento se realizasse, algumas horas antes do evento, Aleko foi embriagado por amigos. Quando estava praticamente inconsciente, jogaram−no dentro de um carro de aluguel. Ao cocheiro, recomendaram que o levasse para longe da cidade. No meio da viagem, ele conseguiu se recuperar. Pulou do carro e regressou a pé. Chegou atrasado e sem fôlego. Destacando o hedonismo e a sensualidade dos versos de Kavafis, mostrando o quanto havia de renovador na poética helênica, Singopoulos escandalizou a platéia (muitos abandonaram o salão, em sinal de protesto). Em compensação, a partir desse instante, a poesia de Konstantinos Kavafis recebeu um tratamento diferenciado.


O REI DEMÉTRIO

(Trad. José Paulo Paes)


Ao ser deixado pelos macedônios,

os quais mostraram preferir a Pirro,

o rei Demétrio (que a alma tinha

grande) de modo algum – assim disseram –

como rei comportou−se. Foi tirar

as vestimentas de ouro, jogou longe

os calçados de púrpura e, envergando

roupas simples, partiu logo em seguida.

Portou−se exatamente como o ator

que, uma vez o espetáculo acabado,

troca de roupa e vai−se logo embora.


Chamado de outro Oscar Wilde por uma serie de artigos publicados em 1924, Kavafis não se abalou. Seguiu escrevendo novos poemas e corrigindo os antigos.

Em 1932, descobriu que estava com câncer na garganta. Aleko Singopoulos e sua esposa, Rika (que haviam sido nomeados herdeiros literários de Kavafis) o levaram para Atenas, onde foi submetido a uma traqueotomia. Sem voz, comunicava−se através de bilhetes.

Morreu em 29 de abril de 1933, no exato dia em que completava 70 anos.

UMA NOITE

(Trad. José Paulo Paes)


Era o quarto vulgar e miserável,

escondido no andar de cima da taverna

suspeita. Da janela avistava−se o beco,

um beco imundo e estreito. Lá em baixo,

vinham as vozes de alguns operários

que jogavam às cartas, divertindo−se.


Ali, num leito reles, ordinário,

eu tive o corpo do amor, desfrutei−lhe dos lábios

rosados e sensuais toda a ebriez –

tal ebriez dos lábios róseos, que ainda agora,

ao escrever, tantos anos depois,

nesta casa vazia, eu de novo me embriago.



2 comentários:

  1. Personagem intrigante mas um talento certo! Desconhecia, mas adorei descobrir! Obrigada por partilhar.

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  2. Um dos maiores poetas do século passado que só teve sua publicação no Brasil, graças à tradução do nosso grande e saudoso poeta José Paulo Paes.

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