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segunda-feira, 13 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XXII)



Ainda não é o fim. Sequer chegamos ao começo do fim. Talvez seja o fim do começo. Começo a desconfiar dos cálculos e projeções. A vida é curta. A morte é lenta. Este produto causa náusea e desvarios. A previsão é de sol com muitas nuvens durante o dia e tempestades isoladas à noite. Barricadas nas praças de alimentação. Abrigos nas portas giratórias. Hoje não aconteceu nada.
(Bruno Brum)


O fim do mundo está próximo? Não sei! É difícil fazer esse tipo de previsão. Ao longo da História, as civilizações antigas e modernas tentaram encontrar algumas fórmulas mágicas para prever o futuro. Descontando a astrologia, os diversos tipos de baralhos, o I Ching, as bolas de cristal e as pajelanças místicas (táticas e técnicas que contam com significativa audiência popular), inúmeros caminhos podem ser trilhados nessa floresta de muitas perguntas e poucas respostas.


A borra do café (cafeomancia), as folhas de chá (teimancia ou tasseomancia), as vísceras dos animais (sendo que a hepatomancia é a mais conhecida), a forma com que as velas queimam (licnomancia), as profecias de Nostradamus, os presságios da civilização maia e o apocalipse bíblico são alguns dos oráculos em que os curiosos podem beber da água da sabedoria.

Animais também podem ajudar aqueles que, saudosos do ontem, querem controlar o amanhã. Dependendo da região do mundo e da demanda dos bichos, há pessoas capazes de fazer prognósticos com aranhas (aracnomancia), gatos (ailuromancia) ou observando o voo dos pássaros (heteromancia). A margem de erro, dizem, é mínima.


No campo heterodoxo, onde reside o domínio do sobrenatural, dois métodos são considerados quase infalíveis: a onicomancia e a tyromancia. O primeiro consiste em esfregar as unhas de uma criança em azeite e sebo. Os sinais produzidos por essa ação podem abrir as portas do porvir. O segundo procedimento é menos frequente. Algumas pessoas com poderes iniciáticos são capazes de fazer a leitura do que acontecerá através de uma peça de queijo. Analisando os buracos que aparecem no laticínio e os padrões do bolor visualizam o horizonte e outras coisas, talvez os tempos vindouros.

Quando se trata de “ler” os desígnios do que está para acontecer, não se pode deixar de considerar como fundamental a astúcia da civilização grega. Queimar ramos de louro (dafnomancia) era um procedimento bastante usado por aqueles que não se contentam com o trivial e faziam questão de falar diretamente com os deuses. Não sei se, no momento do fogaréu, um portal se abria e a escada para o Olimpo ficava a disposição de quem queria conversar tête-à-tête com Zeus. O que ninguém pode negar é que a névoa aromática induz a algum tipo de contato com o além. Talvez seja desse proceder que surgiram os incensos.


Os gregos também sabiam ser vingativos quando o assunto era a previsão do futuro. O caso de Cassandra é emblemático. Na infância, ela e o irmão gêmeo, Heleno, receberam o dom da adivinhação. Depois de alguns anos, Apolo, o gostosão do Olimpo, queria ter um caso com a jovem troiana (irmã de Heitor e Páris). Conversa vai, conversa vem, ela aceitou a cantada. Na hora H, quando o ato estava prestes a ser executado, por alguma razão que a lenda não revela, a moça disse não. O ego machucado do macho exigiu vingança. Pelos poderes que lhe foram conferidos por toda a eternidade, Apolo puniu Cassandra com... Ah, os deuses são cruéis: ela continuaria com os poderes divinatórios, mas ninguém levaria a sério as suas previsões. Quando foi necessário, ela avisou aos troianos de que os gregos jamais derrubariam as muralhas da cidade (o que realmente aconteceu). Infelizmente, eles não acreditaram na segunda parte da profecia: que a cidadela tinha outras vulnerabilidades – foi pela porta da frente que a derrocada se estabeleceu.


Diante do computador, escrevendo mais ou menos quinhentas palavras diárias, não consigo imaginar o armagedom. Em todo caso, estou lendo/relendo Tudo Pronto para o Fim do Mundo (poemas do Bruno Brum), Ideias Para Adiar o Fim do Mundo (Ailton Krenak) e Mundos Apocalíticos (contos de ficção científica). Talvez isso me ajude a enfrentar o fim, se o fim não atrasar – outra vez.

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