Páginas

terça-feira, 21 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XXX)




Quando a quarentena acabar e o mundo voltar ao “normal”, vou ter dificuldades para me adaptar. É que estou ficando viciado em lives literárias. Assisto, todos os dias, uma ou duas. Normalmente as vejo no Facebook, no Instagram e no YouTube.

A vantagem é que todas as tendências, estilos e gêneros literários são contemplados por essa nova maneira de comunicação direta com o público. Não sei se isso é bom ou ruim, mas acena para uma forma de jornalismo cultural que dispensa a intermediação das plataformas formais. Essa ação difusa (algumas vezes, confusa) traz à tona algumas vozes que são silenciadas no dia a dia (negros, índios, mulheres, LGBTQ+, etc.).

Meu interesse têm se mantido restrito em alguns dos grandes temas (literatura, música, história, ações culturais, economia e política). Esporadicamente, outras disciplinas entram nesse balaio de gatos. Não é possível evitar que a razão seja contaminada por outras narrativas, por outros discursos.

As lives das editoras de renome optam por apresentar bom comportamento, tudo sem graça. Provavelmente combinam o roteiro antecipadamente. Só falta aparecer um editor de imagem no meio da conversa para lembrar que os participantes devem fazer merchandising de 15 em 15 minutos, tempo é dinheiro, precisamos faturar. Quando terminam, a impressão que deixam é a de uma salada de chuchu – ricas em fibras, mas insipidas.

As melhores são aquelas em que predomina o (bom) humor, o deboche e a anarquia. Nesse particular aspecto, os bate-papos organizados pelo pessoal do Carnavalhada são excelentes. Assisti alguns em que a intermediação foi realizada pelo Marcelo Labes. Total improviso e fantástica empatia entre os convidados e o mediador.

Algumas lives que vi e que, na minha opinão, merecem destaque:
  
A editora Reformatório (leia-se Marcelo Nocelli) apostou em uma alternativa comercial e cultural. O lançamento virtual de Velhos, contos da Alê Motta (supersimpática!) foi surpreendente. Fiquei interessado no livro.  

O colóquio entre Rafael Araldi Vaz e Rodrigo Diaz de Vivar y Soler, dois estudiosos de Michel Foucault e Giorgio Agamben, abordou questões fundamentais da necropolítica em vigência nestes tempos sombrios de Covid-19.   


O pessoal da página Trocadilhos de Quinta, do Facebook, Leo Cunha e Henrique Rodrigues, guiados pelo André Ricardo, mergulharam na poesia da prosa que não poupa trocadilhos, troca de ilhas, mares nunca antes navegados pelo humor. Foi divertido.       

No campo das minorias, a editora Malê está se notabilizando por reunir alguns nomes importantes da literatura afro-brasileira: Tom Farias, Elisa Lucinda, Ryane Leão, Simone Ricco, Fernanda Miranda. Com mediação de Wagner Amaro (autor de Eles), a turma não tem poupado críticas contra um sistema que privilegia o homem branco, classe média, heterossexual e fascista.

No último sábado (18/04), entrei na metade de um diálogo entre Ana Zeppa (que eu não conhecia) e Marcelino Freire. Foi uma maravilhosa surpresa. Aula de teoria literária de alto nível. Uma hora depois, na página do Centro Cultural Barco (Facebook), Marcelino conversou com Marcelo Rubens Paiva. Ganhei o dia.

Outros escritores que tive oportunidade de ver: Victor Bonini, Camila Assad, Gustavo Matte, Marcelo Ariel, José Inácio Vieira de Melo, Alexandre Vidal Porto, Luisa Geisler, Natália Borges Polesso, Samir Machado de Machado, Marcelo Ferroni,... são tantos, devo ter esquecido alguém.

Várias editoras e organizações estão promovendo a divulgação de livros e autores: Aleph, Companhia das Letras, Reformatório, Rocco, Record, Malê, Harper Collins, Micronotas, Câmara Brasileira do Livro, etc. Basta acessar as páginas e ver as programações. E, se houver interesse, comprar os livros.   

Para quem gosta de estar informado sobre a literatura brasileira contemporânea (meu caso), as lives são momentos de integração e prazer. Na tela do computador ou do smartphone, a literatura se mostra viva. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário