Páginas

quinta-feira, 23 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XXXII)




Ficar em casa nunca me causou problemas; ao contrário, gosto – e muito! Internet, televisão, livros, CDs, filmes – distração não falta. Posso escrever o que quiser, na hora que quiser, e ninguém vai me atrapalhar. Tenho comida no armário e na geladeira. Não é uma vida ruim. Mas,... Sempre aparece um imprevisto. Desta vez, queimou o chuveiro.

Queimar o chuveiro é expressão errada, me ensina o Assistente para Assuntos Elétricos e Hidráulicos (AAEH). Não existe mais essa história de curto-circuito, estouro, susto, medo de ser eletrocutado. Os chuveiros modernos possuem placas eletrônicas e que – em determinado momento – deixam de funcionar. É, literalmente, uma ducha de água fria.

Digo-lhe que foi isso que aconteceu. Tomei banho pela manhã. Não percebi nada de diferente. No final da tarde, água gelada. Poderia acrescentar que não desejo banho frio nem para o meu pior inimigo, mas isso é mentira, desejo sim – além de suplícios outros.

Relatei para o AAEH que, naquele momento, após exprimir inúmeros palavrões impublicáveis, disse para mim mesmo que era muito azar acabar a luz na hora do meu banho. Enxuguei o corpo e, diante do interruptor, disse: Fiat Lux. Fez-se. O que me levou à conclusão de que a causa da crise era outra. Nada mais me restou senão voltar para debaixo da água gelada. Foi um banho rápido, muito rápido. O mesmo aconteceu na manhã seguinte.   

O AAEH chegou logo depois do almoço, trocou a engenhoca, fez o serviço em menos de 30 minutos. Paguei sem reclamar – e pagaria mais se fosse necessário. Tenho dificuldades psicológicas com qualquer coisa que envolva eletricidade. Por exemplo, trocar lâmpada sempre foi uma tragédia. Preciso desligar o quadro geral de luz do apartamento antes de iniciar a atividade. Quando começaram a comercializar essas lâmpadas que duram quase uma eternidade, minha vontade foi a de ir até a gruta de São Bom Jesus de Iguape, acender vela, e agradecer aos deuses da tecnologia.

O primeiro banho com o chuveiro novo foi catártico. Não pela limpeza dos detritos produzidos pelo corpo. Isso é importante, claro. Ou melhor, imprescindível. Não é disso que estou falando/escrevendo. O que considero significativo é a sensação de bem-estar, o realinhamento com as forças do universo, um conjunto de cânticos e louvores aos atos civilizatórios.
     



Conta a lenda que os franceses não são muito amigos do banho – e que aperfeiçoaram a indústria da perfumaria para mascarar os odores naturais do corpo. Não tenho certeza se isso é verdade ou apenas um boato inconsequente. O que sei é que, em algumas regiões da Europa, o usual é tomar banho de banheira. É o meu sonho de consumo. Se, em futuro próximo, ganhar da loteria (apostas temporariamente suspensas pelo Covid-19), quero uma banheira esmaltada, sais de banho, espumas coloridas. 

É um sonho infantil, talvez uma volta ao líquido amniótico. Não sou psicólogo para fornecer explicações para essas regressões aos primórdios da vida. Também não entendo quando dizem que tomar banho de banheira é uma forma de mergulhar na própria sujeira. Tento lembrar se alguém foi capaz de dizer essa bobagem em relação ao banho em piscina. Nada concluo, porque não há o que se concluir.   

Em hipótese hipster, deve ser interessante experimentar um ofurô. Preciso dessa aventura!  




À elegia do banho (de chuveiro, de banheira) deve-se adicionar três momentos terapêuticos do encontro humano com a natureza: os rios, o mar e a chuva. Mas, devido ao adiantado da hora, isso é assunto para outro momento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário