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sexta-feira, 24 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XXXIII)


Encontro na Internet um post muito interessante:



É um desses momentos em que o leitor não sabe se deve entender a publicação como uma piada ou uma reflexão profunda do momento em que estamos vivendo. Estou inclinado a considerar a segunda opção como a mais adequada.

Uma das questões mais problemáticas do advento do Covid-19 é a interrupção do afeto. O distanciamento social se tornou uma norma de segurança. Poucas pessoas possuem estabilidade emocional para viver sem abraços, beijos, namoros, sexo (principalmente o recreativo). O mesmo raciocínio vale para a sensação de aprisionamento que costuma atormentar aqueles que precisam ficar isolados em casa. O deslocamento da redoma de segurança que construímos ao redor de nós mesmos produz algum tipo de saudosismo difícil de ser conceituado. Sair de casa acena para a possibilidade de procurar – lá fora – por uma vida “normal”. Difícil resistir ao canto da sereia.

Olhando pela janela do apartamento, vejo muitas pessoas se deslocando na avenida. Algumas estão se dirigindo para o trabalho (ou voltando); outras, sozinhas ou na companhia de cães, fazem exercícios físicos (caminhar, correr, andar de bicicleta). Poucas usam máscaras e/ou luvas. O perigo é uma variável que não as preocupa.

O trafego de veículos também não diminuiu. Parece sugerir que há a possibilidade de evitar o vírus através da velocidade. Parar o carro no semáforo não agrada os motoristas – que buzinam, dizem palavrões, se mostram impacientes. Essa conduta indócil não é dirigida para alguma coisa específica. No máximo, manifesta o descontrole diante do incompreensível.

No supermercado, há outro tipo de comportamento. São poucos os conhecidos que encontro nos corredores, todos com pressa, todos mascarados. Acenam ao longe, o medo impedindo qualquer tipo de intimidade. Ao passar as compras no caixa, descubro que não há mais espaço para “bater papo” – tudo se tornou frio, eficiente, mecânico. Conversar se tornou tabu – a fala foi substituída pelos espaços virtuais das redes sociais (todos estão conectados).

Volto ao post acima. A sensação de estranhamento por um mundo que perdeu o sentido fez com que aquilo que antes considerávamos horrível se transforme em saudade. Ir ao bar – em princípio – é um exercício terapêutico. Encontrar os amigos, beber cerveja, comer alguma coisa, contar causos e mentiras, pedir conselhos – são muitas as alegrias que conduzem para esse tipo de socialização. Ao mesmo tempo, há o garçom chato, os fanáticos por futebol, os “enganos” na conta, o péssimo atendimento, etc. 

Com o Covid-19 o bom e o ruim se igualaram. Ou melhor, deixaram de existir.

O passado costuma nos sinalizar para o autoengano. Temos vontade de voltar a viver o que imaginamos ter existido  mesmo naqueles momentos em que o masoquismo supera o prazer.  

2 comentários:

  1. Pode ser a solução, Marília. O que pode atrapalhar um pouco é a possibilidade de servirem bebidas virtuais para pessoas virtuais. Como escreveram os filósofos, no mundo líquido, tudo que é sólido desmancha no ar.

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