Páginas

sábado, 4 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XIII)






Gostaria de saber se as pesquisas sobre o sistema homeschooling mudaram durante a quarentena. Uma das vantagens dos tempos de crise está em colocar em evidências as diferenças mais elementares entre a teoria e a prática. Defender o ensino escolar no âmbito familiar é uma posição teórica interessante. Conviver com uma, duas ou três crianças hiperativas em espaço reduzido não parece ser tão atraente. Principalmente para aquele segmento da classe média que não abre mão do trabalho e opta por deixar os filhos sob a supervisão da empregada, da creche ou da escola.

Deve ser interessante ver mães e pais tendo que conciliar o home work com o horário de dar banho nos filhos, fazer as refeições, ajudar nas tarefas escolares e brincar. Esse último item talvez não seja um grande problema: basta liberar um tablet repleto de joguinhos – cena bastante comum em restaurantes, onde o uso do brinquedo está intimamente ligado ao comportamento passivo da criança.

Em lugar de valorizar os professores, alguns pais preferem gastar (a médio e longo prazo) pequenas fortunas com psicólogos e antidepressivos. É uma escolha. Provavelmente, equivocada. O anti-intelectualismo jamais produziu progresso ou uma economia em desenvolvimento.

Um sinal de que a situação está se tornando horrível no campo educacional pode ser comprovado no fato que utilizei nos parágrafos acima três expressões em inglês: homeschooling, home work e tablet como se fossem elementos naturais do discurso. Não são. Ao contrário, constituem evidências de que a língua portuguesa está sendo contaminada pelo anglicismo de origem estadunidense. E, por enquanto, não há uma vacina contra esse vírus.




Não se trata de evocar o espírito de Policarpo Quaresma, adorável personagem de Lima Barreto. Tampouco se quer ressuscitar o projeto do Deputado Aldo Rebelo que propunha, ingenuamente, impedir o uso de estrangeirismos nos locais de trabalho e na maioria das formas de comunicação. A questão é outra.

O português é uma língua viva, permeável, e em constante transformação. Os acréscimos são bem-vindos. Não importa se a origem dos novos vocábulos está localizada nas gírias ou nos estrangeirismos. O uso determina a existência e o reconhecimento. Por isso, e outras questões, cabe atenção em três itens: a adoção de palavras que possuem equivalente dicionarizado em português, a linguagem técnica e o internetês.

O verbo deletar, por exemplo, é uma anomalia incompreensível. Porque alguém prefere usá-lo em lugar de apagar, eliminar, suprimir, extinguir, banir, cancelar ou tirar? São tantas as palavras equivalentes que o uso de mais uma não possui sustentação lógica. Palavras que podem ser expressa no vocabulário dicionarizado não deveriam ser substituídas por estrangeirismos. Infelizmente, o português não está imune ao vaivém do mundo da moda e das tendências ditadas pelas coleções outono-inverno.

Historicamente, a linguagem técnica está restrita ao ambiente de trabalho. Esse procedimento implica no uso político da terminologia como uma forma de dominação. Médicos e advogados são hábeis no manejo dessas ferramentas. Contemporaneamente, com o processo de informatização do cotidiano, parte desse vocabulário específico se expandiu “democraticamente” por todos os lados. Há momentos em que parece que as pessoas estão falando um dialeto do esperanto – e isso deixa sem esperança o futuro da humanidade.




Sobre o internetês pouco se pode dizer, exceto que os bárbaros estão se aproximando dos portões da cidadela. Aqueles que entendem que esse linguajar é uma forma coloquial de comunicação abrem caminho para que tudo seja permitido e que o idioma se transforme em Torre de Babel.

Voltando ao início dessa conversa (tergiversar é o meu maior prazer), o mundo restrito do ambiente doméstico não parece adequado para ensinar as crianças. A linguagem utilizada pelos pais (e que está contaminada pelo ambiente de trabalho ou por convicções políticas e religiosas) muitas vezes entra em conflito com aquela que pode ser ministrada pela escola. A pedagogia não deve ser substituída por achismos.

Por fim, para surpresa dos pais que imaginam que o futuro dos filhos precisa projetar uma boa fonte econômica, ter amigos – do ponto de vista psicológico – é mais importante do que acumular conhecimento. E o grande catalizador das amizades é o mundo escolar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário