A revista inglesa Granta, versão tupiniquim, publicou um volume com os vinte melhores jovens escritores brasileiros. O uso das expressões melhores e jovens na mesma frase é hilário e, salvo engano, indica algum tipo de liberdade poética, porque, com raras exceções, a nova elite literária está composta por idosos. Todos os vinte "eleitos" são veteranos no mercado editorial.
Para alguns escritores, a literatura é sinônimo de algum dinheiro. Não muito, óbvio. De qualquer maneira, ter o nome relacionado em publicação mundial não pode ser desprezado. Por isso, diversos predadores (os mais hábeis) não perderam a oportunidade para divulgar seus mais elementares talentos e livros. Além da publicação na Granta, ainda foi possível aparecer em jornais e televisões − onde encantaram a plebe ignara com opiniões inócuas e sorrisos prêt−à−porter.
O volume nove de Granta, seguindo as indicações da comissão julgadora (Beatriz Bracher, Cristovão Tezza, Samuel Titan, Manuel da Costa Pinto, Ítalo Moriconi, Benjamin Moser e Marcelo Ferroni) mapeou escritores abaixo dos 40 anos e, boa piada editorial, com pelo menos um conto já publicado.
São quatorze homens e seis mulheres, indivíduos aparentemente bem nutridos, desses que estudaram em bons colégios e foram alimentados com danoninho na infância. Seguindo esse critério claríssimo, negros, mulatos, índios e pobres devem ser ágrafos ou péssimos escritores. Nenhuma novidade, a distância entre a casa grande e a senzala continua abissal. Em compensação, a brasilidade mais autêntica está representada pelos herdeiros dos melhores genes caucasianos (descendentes sul-americanos de espanhóis, europeus do leste, diversos modelos de judeus).
Geografia é destino. Quase todos os escritores publicados por Granta moram no circuito Elizabeth Arden da literatura brasileira (São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre). As exceções (um paraibano, um santista, um francês que mora em Chicago) não devem demorar para embarcar no trem que liga o anonimato ao paraíso. Quem não é visto não é lembrado – diz a sabedoria popular. E isso também deve explicar porque nenhum acreano ou sul−mato−grossense foi escolhido por Granta. Nem mesmo o Maranhão (famoso por seus péssimos políticos−escritores) recebeu atenção. Como é de conhecimento amplo, geral e irrestrito na democracia que nos envolve com a igualdade social e política, alguns iguais são mais iguais do que outros.
Diversos boatos maldosos sugerem que existem mais editoras do que livrarias no Brasil. Não é isso que revelam as fichas técnicas dos autores relacionados por Granta. Muitos deles estão ligados à Companhia das Letras, à Record e à Objetiva/Alfaguara – que são os verdadeiros donos do campinho, das camisetas e da bola. Como é comum em muitas questões nacionais, o jogo é somente para convidados - e o placar foi decidido muito antes do jogo começar. Empresas editoriais menores, menos conhecidas nas redações das revistas semanais ou dos suplementos literários, estão excluídas da vitrine editorial. Tanto que somente três dos escritores incensados nesse número "histórico" de Granta tiveram livros publicados pela 7Letras (a editora que revelou alguns dos principais talentos da literatura brasileira contemporânea).
Infelizmente, barrar a entrada dos penetras na festa não foi suficiente para garantir qualidade. Algumas peças literárias publicadas no volume não corresponderam ao nível proposto por Granta. Ops. Definitivamente, essa é uma análise muito drástica. Duvidosa. Provavelmente equivocada. Além disso, pode ferir alguns egos artificialmente inflados pelo deslumbramento. Mais correto é dizer que nem mesmo se fosse fixada em lâmina de microscópio a almejada qualidade se tornaria visível.
Apneia (Daniel Galera), O Jantar (Julian Fuks) e Animais (Michel Laub) são boas histórias e estão perdidas no meio do cascalho que compõem a mesmice expressa no número nove de Granta. Em contrapartida, várias narrativas, dessas que nada acrescentam em inovações formais ou temáticas, parecem destinadas a preencher espaço. Por exemplo, os contos apresentados por escritores de reconhecido talento como Carola Saavedra e Ricardo Lísias não passam de miseras sombras pálidas daquilo que eles são capazes de produzir. Lamentar esse desatino é o que resta ao leitor que gosta do trabalho deles.
Para surpresa geral, há diversos elogios explícitos às belezas do Rio de Janeiro.É como se o resto do Brasil não existisse. Talvez focados nas benesses propiciadas pelo poder aos que se comportam adequadamente, Antes da Queda (João Paulo Cuenca) ou O Rio Sua (Tatiana Salem Levy) ambicionam ser peças de persuasão ideológica. Típico. Uma leitura mais crítica desse fenômeno pode concluir (quiçá, equivocadamente) que esses textos jamais serão capazes de fornecer sentido para a mesquinharia suburbana, praticada com esmero pelos bajuladores da ex−capital da República. Em outras palavras, não passam de narrativas ruins política e literariamente.
Enfim, depois de devorar (inclusive no sentido antropofágico) todos os contos publicados em Granta, leitores atentos provavelmente concordarão que o melhor texto de um brasileiro jovem não está no número nove. A Arte de Apagar Cigarros com Cuspe, de bruno bandido (assim mesmo, em minúsculas) foi publicado na edição de numero oito, páginas 197−203.
Lembrei de Nelson Rodrigues e seu melhor conselho aos jovens: "envelheçam".
ResponderExcluirEm se tratando de justiça ou injustiça, envelhecer não daria passaporte a ninguém. Pelo contrário, aliás. Mas o mundo é feito de teatro. Poderíamos, os excluídos, montar o nosso teatrinho também, eleger os melhores ou piores e seguir. Para confrontar, não; para imitar, não. Talvez para não valorizar tanto os ídolos de pé de barro. É um jogo, com cartas marcadas. Então, façamos o nosso. Ou envelhaçamos na beira do rio, lavando roupa com anil.
ResponderExcluir