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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

OS DEIXADOS PARA TRÁS, DE TOM PERROTA

Quando o romance Criancinhas, escrito por Tom Perrota, foi publicado, em 2004, a crítica não deu muita atenção a essa divertida narrativa de costumes. Foi preciso que a versão cinematográfica, Pecados Íntimos (Little Children, Dir. Todd Field, 2006), com Kate Winslet, se tornasse razoável sucesso comercial para que o livro conquistasse alguma visibilidade fora do circuíto literário. Estranhamente, essa não foi a primeira vez que os romances de Perrota foram impulsionados pelo cinema. Vários anos antes, apesar de boa recepção pela crítica especializada, o público quase deixou passar o caráter satírico de Eleição. Foi a apropriação hollywoodiana (Election. Dir. Alexander Payne, 1999), com Reese Witherspoon e Matthew Broderick, que modificou – significativamente – o destino do livro.

Recentemente, o romance A Professora de Abstinência, seguindo a linha da crítica da vida suburbana, também causou alguma confusão no mundo literário – provavelmente o primeiro passo para que a narrativa se transforme em filme. Centrada na discussão entre crentes e ateus, a narrativa aborda uma contradição política particularmente significativa em Estados Unidos: enquanto o país gasta milhões de dólares para difundir (muitas vezes de forma grosseira) aquilo que eles chamam de democracia em determinadas regiões do mundo, os evangélicos se tornam cada vez mais sectários nas questões religiosas. Seria risível não fosse a quantidade de pessoas que morrem em razão desse tipo de intolerância.

Espécie de metáfora do dia 11 de setembro de 2001, o último romance de Tom Perrota, Os Deixados para Trás − embora não ignore que o realismo impõe uma série de regras para distinguir o verossímil e a fantasia –, relata uma série de eventos pouco ortodoxos. E suas consequências.

Em determinado momento do dia 14 de outubro, centenas de indivíduos desapareceram na cidade de Mapleton. Não houve bombas ou tiros ou qualquer outra ação violenta. Foi mais simples, mais asséptico: as pessoas evaporaram no ar − como se fosse resultado de um ato sobrenatural. Em questão de segundos, esse Apocalipse ad hoc separou as vítimas e aqueles que – nos sentidos psicológicos e religiosos – foram deixados para trás.

A continuidade histórica se torna responsabilidade daqueles que sobreviveram – esse é um slogan bastante conhecido daqueles que entendem que sobreviver à perda de um ente querido é uma forma de punição divina. Como o prazo de validade do luto não é muito longo, pois a vida social determina a necessidade de secar as lágrimas e retomar o caminho produtivo, alguns teólogos costumam utilizar a contrição como uma maneira de relembrar a perda de forma intermitente. Em outras palavras, a normalidade − em alguns momentos − é um sedativo indesejado. Muitos religiosos preferem manipular e, se possível, distorcer os sentimentos. O resultado dessa proposta − em tempos sombrios, onde a agonia costuma ser anestesiada por doses maciças de pain killers e messianismo religioso – está revelado na restrição das alternativas.

Espremido no meio desse fogo cruzado está Kevin Garvey, o prefeito. Sua família não sofreu perdas físicas. A tragédia que os atinge é de outra intensidade. A esposa se juntou aos Remanescentes Culpados, uma seita estranha e que se caracteriza pelo voto de silêncio e o tabagismo. O filho mais velho, Tom, abandonou a universidade para seguir os ensinamentos do Santo Wayne, um guru oportunista (e pedófilo). Jill, a filha adolescente, fica junto com o pai, mas tem dificuldades para conviver com os próprios problemas (carências afetivas, amorosas e sexuais). Raramente pode contar com o apoio de Kevin − que está desestabilizado pelos problemas administrativos que não consegue solucionar e por uma complicada paixão amorosa, Nora Durst (que perdeu o marido e os filhos no dia 14 de outubro).

Temas sérios requerem linguagem densa. Provavelmente foi esse o raciocínio adotado por Tom Perrota, quando estava escrevendo Os Deixados para Trás. Essa postura perplexa impõe o timbre de tragédia e, ao mesmo tempo, impede que o humor apareça. Não é um defeito. Apenas torna ainda mais melancólico um texto que não é de fácil manejo.

Tom Perrota, que alguns críticos deslumbrados comparam com John Steinbeck e Anton Tchekov, adaptou Os Deixados para Trás para uma série da HBO.

2 comentários:

  1. Muito, muito obrigada por partilhar os escritos deste autor que não conhecia. Vou tratar de resolver isso muito em breve. Deu-me vontade de o descobrir.

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    1. Dulce: veja o filme "Pecados Íntimos". É um bom início para apreciar a obra de Tom Perrota. Obrigado pela leitura. Beijos e abraços!

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