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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

PARA ROMA COM AMOR

Quem imaginava que o bom−humor de Woody Allen estava perdido para todo o sempre precisa assistir − e se surpreender − com Para Roma com Amor (To Rome with love, 2012). Reconstruindo um personagem que jamais deveria ter saído de cena (o burguês patético, obsessivo, ranzinza), Woody Allen, na tripla função de ator, roteirista e diretor, flutua pelas ruas da cidade eterna.

Roma, Citta Aperta, conforme a definição clássica de Roberto Rossellini, é uma mistura de ruínas e belezas, de seduções e prazeres, de perigos e decepções. Urbe cosmopolita, assim como todas as alucinações européias, acolhe a todos os visitantes com igual entusiasmo. Fato que (acrescido da afirmação do guarda de trânsito, na cena inicial do filme, que Em Roma tudo dá uma historia.) foi comprovado por cineastas como Nanni Moretti, Marco Bellocchio, Vittorio de Sica, Gabriele Muccino, entre outros.

Para Roma com Amor é um filme engraçado. Muito engraçado. Como há muito tempo não se via na cinematografia de Woody Allen. A temporada européia, incluindo os excepcionais Match Point (2005) e Meia−noite em Paris (2011), celebra uma nostalgia difícil de ser digerida. São filmes cheios de força, mas que não escondem estar faltando algo, provavelmente o humor – emoção que, na elegia romana, não foi economizada. Esse efeito qualitativo está explicito no uso das frases de efeito – que procuram refletir o ridículo humano. Um exemplo elementar ocorre quando Jerry, o personagem de Woody Allen, diz à esposa: Você casou com um cara brilhante. Meu QI é 150, 160. Ela rapidamente responde: Você está pensando em euros. Em dólares é muito menos.

Diluído entre quatro eixos estruturais paralelos − que não se entrecruzam − o filme, que dizem ser uma espécie de adaptação livre de Decamerão, de Giovanni Boccaccio, apresenta, em primeiro plano, a visita de um casal estadunidense, Jerry e Phyllis (Woody Allen e Judy Davis), que se desloca até Roma para conhecer os pais do noivo de sua filha (Fabio Armiliato e Monica Nappo). Enquanto o casal estrangeiro é composto por um aposentado extravagante (que adora ópera e dinheiro) e uma psiquiatra (que não perde oportunidade para fazer análises comportamentais públicas), o casal italiano beira o tédio: o homem é um agente funerário; a mulher, dona de casa.

No segundo plano está uma intrigante fantasia. John, um arquiteto estadunidense (Alec Baldwin) recorda a desilusão amorosa que viveu na juventude, quando esteve em Roma pela primeira vez. Ele tenta corrigir a história de Jack, um jovem arquiteto (Jesse Eisenberg), que se envolve simultaneamente com duas mulheres. Agindo como se fosse uma espécie de consciência tardia, que em muitos momentos parece estar visível somente na imaginação, ele não consegue impedir que − entre a tranqüilidade de Sally, a namorada (Greta Gerwiq) e a agitação sensual de Monica, uma atriz pseudo−intelectual (Ellen Page) −, o sexo determine o caminho da perdição emocional.

A história do jovem casal provinciano (Alessandro Tiberi e Alessandra Mastronardi), que viaja para Roma para impressionar parentes e conseguir a indicação de um emprego bem remunerado, está marcada pelo desencontro e pela ingenuidade. Enquanto Antonio, o marido, é seduzido por uma prostituta (Penélope Cruz), a esposa, Milli, sonha com um mundo somente possível no cinema, nas novelas e nas revistas de celebridades. As trajetórias pessoais − onde o afeto e o sexo são colocados à prova − é que determinam a diferença entre o engano e a felicidade.

Por fim, há o tormento surreal de Leopoldo, personagem interpretado por Roberto Begnini. Talvez como uma homenagem a Federico Fellini, que adorava o grotesco, um burocrata caricato e insignificante se transforma em personagem de reality show despropositado, invasivo, desses que confundem vida pública e vida intima. O homem perde sua identidade e, algum tempo depois, quando a recupera, sente saudades do tempo em que era famoso. No eterno jogo entre o ser e o ter, a barbárie vence de goleada.

Talvez a maior prova disso seja o modo abusado, completamente insensato, de Jerry em relação ao pai do noivo de sua filha. Depois de ouvi−lo no banheiro, Jerry convence o italiano que ele é um excelente cantor de ópera. O problema é que o agente funerário somente consegue performances de qualidade quando está no chuveiro. Isso não é obstáculo para o estrangeiro, que monta uma versão particularmente hilária de Pagliacci, onde o tenor se apresenta tomando banho.

No final do filme, quando estão se despedindo, os personagens de Alec Baldwin e Jesse Eisenberg trocam frases rápidas. O rapaz, a querer fugir de uma discussão mais séria, diz − como se fosse uma desculpa para seu fracasso amoroso − saber que a idade traz a experiência. Amargo, o homem mais velho retruca: A idade traz a exaustão. Difícil determinar se esse diálogo indica uma metáfora escondida nas entrelinhas do filme. De qualquer forma, parece acenar para o esgotamento de certas fórmulas cinematográficas. Ao espectador resta o otimismo de imaginar que terá a chance de se divertir mais vezes com filmes similares a Para Roma com Amor.

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