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sexta-feira, 24 de junho de 2011

CALCANHAR DE AQUILES

Conta a lenda grega que, ao nascer, Aquiles, um dos heróis da Guerra de Tróia, foi banhado nas águas mágicas do rio Estige. Sua mãe, Tétis, o segurou pelo calcanhar – a única parte do corpo do menino que não recebeu a proteção divina e que, por isso, se tornou o seu (dele) ponto fraco.

Modernamente, homem algum admite ter algum ponto fraco. Simples, homens são treinados para vencer. Basta ver o empenho de alguns brutamontes quando precisam trocar pneu ou botijão de gás. Isso para não falar daqueles "sempre importantes e necessários" elogios (em voz alta) à gostosa da página central da Playboy. A regra é simples: homem tem que se comportar como "Homem", assim mesmo, com "H" maiúsculo, senão... Passa a ser personagem de uma daquelas histórias sobre animais delicados que passeiam pelo bosque enquanto o lobo não vem. E o preconceito está longe de ser vencido.

A vida é cruel – e desconfortável. Principalmente para os homens. Em alguns momentos críticos – no meio da madrugada, naquela hora em que a insegurança se mistura com a ausência da pessoa amada e a dor de não saber pedir perdão, o mais convicto dos machões se converte em completo idiota. Sozinho e desesperado, diante do espelho das desilusões, poucos conseguem segurar as comportas do medo – é líquido e certo o desaguar de lágrimas, arrependimentos e saudades. Seria engraçado, se não fosse patético.

Os anestésicos complementam a cena. O principal é o álcool − consumido em baldes, muitos baldes, o suficiente para encher uma piscina, pois o objetivo principal é afogar as coisas ruins. Quando essa idéia fracassa, há os tranqüilizantes (principalmente aqueles comprimidos que os americanos, usando a síntese que caracteriza a língua inglesa, chamam de "pain killers"). Também existem as drogas ilícitas, centenas delas, uma pior do que a outra – que talvez seja a qualidade procurada pelos desesperados.

Como é muito difícil de resolver, ou de querer resolver, os problemas que causam imensos hematomas no ego, o sujeito, quando acorda desse sonho inquieto, descobre que a ressaca é o menor dos seus problemas. Ou seja, que tudo o que lhe causava dor ainda continua causando dor. E que o uso de substâncias que substituem a realidade não passa de tentativa de construir uma rota de fuga.

Enfim, assim com Aquiles terminou derrotado por uma flechada no seu calcanhar, muitos homens se mostram incapazes de entender que a vida é curta demais para ser gasta com pequenas tragédias particulares. E que se não houver alguma ruptura nesse proceder, quando a angústia bater na porta do coração inquieto, lembrando as coisas ruins, tudo se repetirá – outra vez.

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