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terça-feira, 21 de junho de 2011

O TARADO

Foi um escândalo. Quase tão grande como daquela vez que Dona Adalgisa abriu a porta do elevador e encontrou a filha do dono do 305 namorando com o rapaz do 812. Quer dizer, namorar é outra coisa. O que Dona Adalgisa viu, com aqueles olhinhos de perdigueiro aposentado, foi um pouco mais do que isso, umas peças de roupa no chão e... Bem, foi um escândalo. Até a polícia apareceu no prédio, atentado violento ao pudor, essas coisas.

O episódio desta vez foi diferente. O síndico chegou a montar um complexo sistema de vigilância para impedir que aquilo continuasse acontecendo. Aquilo? Aquilo, o quê? Depois de séculos (duas semanas) de criteriosa investigação, dessas que colocam todos os seriados policiais no chinelo, concluiu−se que havia um maníaco sexual no prédio. Quer dizer, outro.

(Parênteses necessário, antes de continuar a narrativa: seria uma injustiça absurda omitir que o edifício abrigava diversos maníacos sexuais oficiais, desses reconhecidos publicamente e em cartório, dois ou três com registro no Ministério do Trabalho. Fecha parênteses.).

Pois é, um pervertido – segundo a abalizada opinião de Dona Clotilde, a incansável líder da Liga Oficial e Universal Contra a Obscenidade (LOUCO). E o que fazia esse tarado? Segundo as moradoras do prédio, tudo. E nesse "tudo" incluíam as mais inconfessáveis taras sexuais, embora o motivo da confusão fosse bem mais modesto: alguém estava roubando calcinhas.

Incontáveis peças intimas femininas estavam desaparecendo. E não apenas do varal coletivo, lá na lavanderia do prédio. A moradora do 208, alta, loura, um sorriso encantador e solteiríssima, reclamou o desaparecimento de diversas peças que estavam em uma gaveta, dentro do seu (dela) guarda−roupas – inclusive uma de estimação, vermelha, rendadinha.

O síndico, comovido com a denúncia, prometeu providências enérgicas. E disse que, se dependesse dele, o caso seria resolvido em um estalar de dedos. Mas, infelizmente, não dependia. Por isso mesmo, as delicadas peças do vestuário feminino continuavam desaparecendo.

A situação ficou ainda mais intrigante quando o zelador encontrou jogadas entre os degraus da escada duas das calcinhas supostamente desaparecidas. 

Em tumultuada reunião de condomínio, Dona Clotilde, roxa de vergonha, reivindicou a propriedade de uma delas. A outra, um pouco menor, digo, bem menor, permaneceu exposta na mesa do salão de festas (onde se realizava a reunião) durante várias horas. Como ninguém a requereu, o síndico, que chegou com meia hora de atraso, propôs doá−la para uma das serventes. Não houve oposição.

Seguindo a regra básica de toda reunião que se preze, nada decidir, aquela também terminou em brancas nuvens. Todos foram embora mais confusos do que já estavam.

Em compensação, os moradores do 309, Abelardo e Luiza, enquanto estavam participando da reunião de condomínio, foram premiados: assalto. Ao voltarem para o apartamento, encontraram a porta aberta. Depois de gritos e indignações, nada restou senão chamar as "otoridades" constituídas – que demoraram umas duas horas para chegar, embora a distância entre o prédio e o distrito policial não fosse superior a uns 200 metros.

O saldo do prejuízo? Quase nenhum. A porta tinha sido arrombada, vários armários estavam escancarados, mas... Nada foi levado. O difícil de explicar era as centenas de calcinhas espalhadas pelo quarto do casal. Tinha para todos os gostos: grandes, pequenas, coloridas, tangas, com e sem renda, comestíveis...

A polícia não achou nenhuma graça na brincadeira. Em entrevista exclusiva para um desses programas de televisão que finge indignação com a tragédia humana, o delegado encarregado pelo caso declarou que aquela situação, que misturava atentado terrorista, ameaça comunista e iconoclastia constitucional, era a mais pura desobediência aos ideais patrióticos. "Ninguém mais tem respeito pelo Hino Nacional", finalizou.

Depois, com visível tédio, liquidou a investigação. Dez minutos foram suficientes para descobrir a solução do caso: prendeu o casal proprietário do apartamento que havia sido assaltado.

Em nova entrevista à televisão, revelou o método analítico que usou na solução de tão complicada charada: "A patologia da sexualidade, segunda nos ensina Sigmundinho, divide−se em latente e manifesta. Tivemos apenas que reduzir o caso às suas raízes pulsionais. Foi fácil."

Dentro do prédio, mais precisamente no apartamento 801, enquanto escolhia a calcinha que iria usar naquela noite, o síndico aplaudiu tamanha sabedoria.

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