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quarta-feira, 29 de junho de 2011

LIBERDADE: UM ROMANCE DE JONATHAN FRANZEN

Na página 154 da edição brasileira do romance Liberdade, de Jonathan Franzen, há um erro de revisão: comessasse. O interessante é que a história da recepção desse romance no Brasil também começou com um erro. Muitos leitores compraram o romance em função do maciço marketing editorial. Mais um caso típico de literatura sendo confundida com item de mercantilização. Jornais, revistas e blogs publicaram quilos de resenhas destacando o autor, que foi capa da revista Time, em agosto de 2010. A manchete, Great American Novelist, forneceu a credibilidade que agradou a todos – inclusive a estratégia insana de recuperação do dinheiro empregado na publicação do texto. Em lugar de comentar o livro em si, foi o autor que recebeu os elogios. O ápice desses desatinos está na falta de constrangimento da editora, que imprimiu um selo na capa do livro, destacando que o jornal The Guardian considerou Liberdade como o livro do ano e do século. Nada contra um jornal inglês elogiar um romance estadunidense, mas é esse tipo de vaticínio insano que torna visível o exagero.

Quem leu o romance, 605 páginas na edição brasileira, concorda que Liberdade não é aquilo tudo o que a propaganda alardeia. A sombra do livro anterior, As Correções, que é um prodígio narrativo, contribuiu para diminuir o fogo de palha. Colocados um diante do outro, o livro mais recente perde a graça, parece apenas empenho pálido de um escritor esforçado. Seguindo a estratégia de defender interesses obscuros, poucos integrantes da crítica bastarda que parasita os meios de comunicação, digo, os meios de comercio da cultura literária, mencionam essa linha de análise: um dos princípios da ideologia do descartável determina que o novo deve engolir, com voracidade, a qualidade.

Ao abordar vários temas atuais (governo Bush, guerra do Iraque, ecologia), Liberdade consegue agregar alguns elementos que não são usuais na literatura contemporânea. Além disso, como se fosse um episódio sem importância, a personagem Patty Berglund, lá pelo meio da narrativa, enquanto não está trepando com o melhor amigo de seu marido, lê Guerra e Paz. Os "bem−intencionados", saudosos de um tempo em que a vida social era mimetizada pela arte (e, por extensão, pela literatura), ligaram o ponto "a" com o ponto "b" e formularam uma tese sebastianista: Franzen é uma espécie de Tolstoi contemporâneo, capaz de reinventar a narrativa, trazendo para perto do leitor médio os grandes épicos de nossa época. Ledo e risível engano. A arte de contar (e vender) uma boa história não depende desse tipo de exercício tortuoso de imaginação (que, vá lá, talvez seja o adequado para a divulgação dos crimes perpetuados por aquele leporídeo chamado Paulo).

Liberdade possui qualidades. Aqui e ali há bons trechos, Franzen escreve bem, domina com estilo a técnica narrativa. O problema é que o enredo de Liberdade está cheio de buracos. Em princípio, há cinco protagonistas: Walter, Patty, Joey, Jessica e Richard. Depois de algumas páginas, Jessica, a filha do casal Berglund, desaparece da narrativa. E, quando reaparece, sempre o faz de maneira episódica, fugaz, como se não fosse capaz de contribuir para a evolução da narrativa. Depois de vender sucata para o exército, Joey tem uma crise moralista: para quem quer ficar rico rapidamente, como é a intenção do personagem, esse foi um ato de grandeza pouco convincente. A escolha de Walter pelo "mal menor" (salvar uma reserva florestal e um passarinho em troca de permitir minas de carvão a céu aberto) caracteriza uma ingenuidade política que não deveria existir mais. Trechos do romance estão escorados em depoimentos escritos por Patty, numa voz narrativa que pouco, ou nada, difere da voz do narrador em terceira pessoa que ordena o enredo. O uso recorrente de elipses, o que acelera a narrativa, mas omite detalhes que poderiam amalgamar a estrutura narrativa, contribui para a superficialidade se estabeleça − diversos fatos (11 de setembro, guerra do Iraque, crise imobiliária) são narrados sem profundidade, com uma rapidez estonteante, como se não fossem importantes, apenas elementos do cenário.

O único personagem que não compromete a si mesmo é Richard Katz. Do início até o fim: encrenqueiro, antissocial, rebelde sem causa, canalha, que sempre sentiu (e nunca escondeu) tesão pela mulher do melhor amigo. Enfim, um estereótipo do estadunidense detestado pelo mundo todo.

E como se não bastassem todas essas maluquices (possíveis em romances não−realistas), o final da narrativa é inverossímil, emulação edulcorada dos contos de fadas, a reconciliação com a moral e os bons costumes. Seria patético caso não houvesse uma boa dose de humor a diluir esse dramalhão, a mostrar que a tragédia é apenas o outro lado da comédia.



P.S: Para não dizer que não falei no excelente trabalho de revisão, o "gato" escapou no seguinte trecho: "a parte do letreiro luminoso que dizia NÃO TEMOS acesa ao lago de VAGAS" (p.483).

2 comentários:

  1. Estou impressionado com a qualidade de sua escrita e de seu blog. E qualidade de escrita, para mim, é resultado de qualidade de pensamento e capacidade de arregimentar informações.
    Vc já leu o prefácio que o Franzen escreveu para o excelente livro da Paula Fox, "Desesperados"? Meu Deus, esse rapaz é meio megalomaníaco, não?
    Abraço.

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  2. Henrique: Obrigado! Gosto muito de "Desesperados",da Paula Fox. Até pensei em comprar outros livros dela! Quanto ao prefácio do Franzen, concordo contigo. O ego da figura é imenso e está inflado!

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