Para alguém que vive cercado por livros, algumas adaptações literárias para o cinema são insuportáveis. Basta lembrar, entre centenas de milhares de exemplos patéticos, os crimes praticados contra, por exemplo, Amor nos tempos do cólera (Gabriel Garcia Marques), Pantaleão e as visitadoras (Mario Vargas Llosa), Desonra (J. M. Coetzee) e Reparação (Ian McEwan), romances belíssimos e que resultaram em filmes medíocres.
Apesar do descrédito do cinema adaptado da literatura, uma reação tende a ser considerada como normal. Qualquer comentário contrário ao "esforço artístico" implica em ouvir o eterno chavão, "a linguagem é outra", como se isso, a transposição da literatura para o cinema, fosse uma espécie de desculpa para a destruição do bom senso e do talento. Não o é. Ou não deveria ser. Há outras questões em jogo, muitas outras, inclusive a competência do(s) roteirista(s) e do diretor. Mas, como sempre acontece em questões que não sabem sobreviver às relações complexas (principalmente aquelas que misturam amor e ódio, política e vida social, finanças e arte), convém ignorar as áreas de conflito. É o que a sensatez aconselha. É o que (quase) todos fazem.
No outro lado da corda, há alguns casos muito interessantes. Há livros que parecem destinados à cesta do lixo, mas que resultam em filmes razoáveis (apesar de insistirem em cenas pateticamente emocionais). Quem assistiu, por exemplo, Querido John (Dear John, Dir. Lasse Hallström, 2010), baseado no romance de Nicholas Sparks, sabe que o filme bateu recordes de audiência nos Estados Unidos, inclusive ultrapassando produções mais caras e artisticamente mais articuladas. No entender de vários críticos, o filme é melhor do que o livro – ironicamente, causou um efeito típico do capitalismo: contribuiu para a venda de mais alguns milhões de exemplares dos livros escritos por Sparks.
Outro exemplo, lançado recentemente em DVD, é As coisas impossíveis do amor (Love and other impossible pursuits. Dir. Don Ross, 2009). Parte do (pequeno) sucesso desse filme está escorada na estratégia comercial que envolve os dramas. Como cabe aos representantes daquele cinema que deve ser assistido com a(o) namorada(o), óculos escuros e várias caixas de lenços de papel, sempre há o risco do(a) espectador(a) vacilar nas cenas mais comoventes − centenas de lágrimas escorrendo pelo rosto.
Apostando na abordagem sem muitas sutilezas narrativas, o filme se concentra em um momento delicado da vida de Emily Greenleaf, uma mulher amarga e insuportavelmente ressentida. Sem se preocupar com os sentimentos daqueles que a cercam, a personagem esconde as debilidades afetivas atrás das ofensas que vai distribuindo entre aqueles que a cercam (meus dentes são muito afiados, diz quase ao final do filme). Sem saber distinguir amigos e inimigos, vai construindo a própria solidão. Isolada, não aceita a culpa, e amplia a distância com aqueles que (em sua opinião) são incapazes de entender a dor que a corrói. Enfim, é uma chata. A solução óbvia é o psiquiatra. Felizmente, não é o que ocorre nesse filme – mais uma qualidade a destacar, pois se isso acontecesse era caso de desligar o DVD e procurar por algo mais interessante para fazer.
O filme foi baseado no romance Love and other impossible persuits, de Ayelet Waldman, que (não tenho certeza) ainda não foi traduzido no Brasil. Reunindo linguagem condescendente, religiosidade encoberta (falam de Deus o tempo todo) e fragilidade humana, o livro possuí (a julgar pelo filme) todos os ingredientes dos livros que usualmente integram o catálogo do "Clube do Livro" (ou bobagem similar). Além disso, a história é uma soma de obviedades, basta lembrar que o sobrenome Greenleaf (folhas verdes) sinaliza para uma vida nova, o velho tema da ressurreição cristã (ou budista, como lembra outro personagem em cena igualmente clichê, a do menino brincando no lago do Central Park, com um barco de controle remoto). Quem leu Henry James, para continuar o desfile de lugares−comuns, sabe que, em literatura, o nome dos personagens nunca é elemento gratuito, o que leva o leitor/espectador ao final antecipado do livro e do filme, em apenas uma informação ridícula.
Apesar disso tudo, a interpretação de Natalie Portman (como Emily) é artigo de primeira classe. O que ajuda a concluir que o filme é muito melhor do que o livro!
Entre os incontáveis casos de adaptações para o cinema − e que, de uma forma ou de outra, se destacam nessa multidão de produtos comerciais expostos nas prateleiras dos supermercados de ilusões − Amor e outras drogas (Love & others drugs, Dir. Edward Zwick, 2011), a quase divertida adaptação do romance Hard sell: the evolution of a Viagra salesman, de Jamie Reidy, resultou em um filme que não é muito ruim.
Em tom de comédia romântica, dessas que são ótimas para se ver em um sábado à tarde, deitado no sofá, balde de pipocas ao alcance da mão, o filme mistura as bobagens que norteiam o universo amoroso com algumas questões moralistas. Nos dois casos não há progressos efetivos, mas se escora na proposta de que o que vale é o artificialismo construído para narrar essas situações.
Ao abordar o microscópico universo (e, portanto, invisível aos olhos do público) dos produtos farmacêuticos e de uma doença cruel (mal de Parkinson), Amor e outras drogas não ignora o eco de outra adaptação literária, o romance de Christopher Taylor Buckley Obrigado por fumar, que resultou em divertido e cínico filme homônimo (Thank you for smoking. Dir. Jason Reitman, 2006) sobre a indústria do tabaco. Além disso, é uma das melhores performances de Aaron Eckhart.
Não se poderia exigir o mesmo desempenho de Jake Gyllenhall e Anne Hathaway, pois esses dois atores não alcançam certas sutilezas de interpretação. Além disso, o enredo do filme também não ajuda. Da metade em diante, a diversão vai sendo corroída pela melancolia, pela autodestruição e pela dor.
O final do filme, confirmando o que se espera desse tipo de cinema, aposta em uma versão moderna dos contos de fadas (porque é isso o que o/a espectador/a deseja ao alugar um filme com a palavra "amor" no título): o casal fica junto, mas a doença ameaça a felicidade dos dois, o que só os aproxima mais.
De qualquer maneira, há algo de bom em assistir filmes como Dear John, As coisas impossíveis do amor e Amor e outras drogas – a certeza de que alguns bons livros nunca possibilitarão filmes comerciais, a segurança intelectual de não ser necessário ler certos livros, e a doce ilusão de que a literatura, em alguns momentos, é superior ao cinema.
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