Alguns anos atrás, ou melhor, quase no final do século passado, passei alguns bons minutos na frente do original de Girl with a White Dog. Depois, atordoado por aquele realismo excessivo, fui ver outras pinturas, me encantar com diferentes formas de retratar o espanto, amansar a mente com os traços poéticos de Pierre Bonnard. Fui descobrir tons e nuances que as reproduções em livros de arte não nos mostram. Como a vida não é feita apenas de alegrias e sonhos, não fui longe. Em outra sala encontrei telas de Francis Bacon e a loucura voltou a contaminar meus olhos. Para alguém que não sabe (nunca soube) desenhar, aquele passeio por um dos mais importantes parques de diversões das artes plásticas foi uma espécie de conversão ao mundo da magia.
Lucian Freud, em foto de Francis Goodman (1945) |
Em Self−Portrait with Patricia Preece há proposital falta de proporção entre as figuras, a sobreposição de uma imagem sobre a outra, o pescoço masculino torcido, o papel de parede florido, os corpos sem vestimentas, ela prostrada, ele ausente, sem grandes encantos, as cores da pele emparedando os sentimentos. No triste espetáculo da intimidade devassada, utilizando uma luz forte, ofuscante, o artista tentou eliminar a sensualidade ou a excitação. E fez isso com uma pincelada menos contraída, menos preocupada com as minúcias do desenho.
Mestre nos efeitos antirromânticos, Lucian fornecia, em algumas de suas telas, uma feiúra proposital, agressiva. Flertava com os sentimentos mais desagradáveis do ser humano ao oferecer imagens que afastam a visão do espectador. Ao mesmo tempo, estava ciente de que são essas imagens grotescas que serão revisitadas continuamente. É a dor (imaginária, simbólica, real) que fornece humanidade ao espectador.
Eu pinto pessoas não precisamente pelo que elas parecem, não exatamente pelo que elas são, mas como elas deveriam ser, disse o artista, esclarecendo (ou complicando) o seu modo de percepção da arte.
Lucian, um dos netos de Sigmund Freud (e ninguém é da família do "inventor" da psicanálise impunemente), nasceu em Berlim em 1922. Com a ascensão do nazismo, sua família migrou para a Inglaterra, onde se estabeleceu. Foi marinheiro, professor universitário (visitante), ganhou prêmios. Tinha alguns amigos e muitos inimigos. Na vida privada, cometeu alguns excessos – conta a lenda que reconheceu cerca de quarenta filhos, talvez mais.
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