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terça-feira, 19 de julho de 2011

A PERGUNTA

As palavras possuem poderes mágicos. Eles estavam deitados na cama, de conchinha. Um corpo transmitia calor para outro. O cenário perfeito para o amor. Sussurrando, ela fez a pergunta:

− Arthur, você está me traindo?

As palavras são campo minado. Foi como se o mundo tivesse congelando. Talvez pior. Pior do que isso somente o inferno. Demorou, mas havia chegado a hora do juízo final.

− Que absurdo! De onde você tirou essa idéia ridícula?

As palavras aprisionam. Ela não fez nenhum esforço para se libertar do abraço. Mas sentiu um movimento involuntário, ele estava apertando−a com uma força inadequada para aquele momento.

− Joana me disse que viu você com outra. Em um motel.

As palavras diminuem a luz, trazem a escuridão para perto. Nenhum argumento consegue demolir a acusação formulada por testemunha.

− Joana é uma fofoqueira, dá tudo para ver o circo pegar fogo. Você sabe disso. Ninguém consegue esquecer que foi ela quem inventou aquela nojeira sobre o Armando.

As palavras anunciam a destruição. Ainda bem que ele teve presença de espírito para contra−atacar. Não era a melhor solução, mas servia para lançar uma pitada de dúvida no caldeirão de intrigas em que ele estava sendo cozinhado.

− Ela disse que conhece a pessoa que estava com você.

As palavras subtraem. Não importa: é preciso negar, negar tudo. Independente do que ela diga, a regra é inflexível: negar, negar sempre.

− Que absurdo! Acabei de passar quinze dias em São Paulo. Como é que ela pode ter me visto em um motel?

As palavras traem. Mal terminou de falar e já estava arrependido. Na tentativa de se livrar da acusação, acabou mergulhando no fogo.

− O problema é esse: ela estava em São Paulo na semana passada.

As palavras condenam. Ele não conseguiu esconder o silêncio no meio das frases pronunciadas, no meio de alguns sons desconexos com os fatos.

− O quê? E você acreditou nessa coincidência? Em uma cidade com sei eu lá quantos milhões de habitantes, ela conseguiu me ver em um motel?

As palavras são sinônimas do espanto. A melhor tática é o uso da lógica, o afastamento imediato de qualquer duvida.

− Ela disse que fotografou você.

As palavras anunciam a morte. A situação estava começando a ficar fora de controle. Se ele não encontrasse alguma forma de reverter a avalanche, nada mais restaria senão o ouvir as acusações maldosas, repetir aos gritos as mágoas que não cicatrizaram.

− Mentira! Quer dizer... Só pode ser mentira.

Muitas vezes sobram palavras. Poderia ter ficado calado. Não ficou. Fazia parte de sua estratégia preencher as lacunas.

− Eu vi as fotos.

Muitas vezes faltam palavras. A afasia é angustiante. Mais angustiante do que isso foi vê−la se levantar, vestir a roupa, sair do quarto, ouvir a porta batendo.

Quando estamos sozinhos as palavras são inúteis.

8 comentários:

  1. Nada mais que terrível a traição. E os argumentos, hum!!! Não convence, e às vezes o preço a pagar é muito alto. Será que vale apena?

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  2. Formidável! Esse recurso de comentar sobre as várias facetas e significados que podem existir nas palavras foi sensacional, tornando um conto relativamente simples, embora interessante, num texto realmente "fera".

    Grande abraço!

    ps: exclui comentário anterior por conter erro de digitação...

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  3. Um dos piores dos atos humano é a traição.
    Deixa por vezes dependo das circunstâncias marcas profundas.Não somente diretamente nos participantes da traição, como nos coadjuvantes.
    Por que a traição entre dois seres que se dizem amarem-se?
    Parabéns caro escritor!

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  4. Se há traição, não há amor. Não estou defendendo exclusividade. Apenas honestidade.

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  5. Concordo. Acho que é mais triste até para quem trai do que para quem foi traído. Não existe dor maior do que jogar um grande amor pela privada.

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  6. Muito, muito bom! Simples, direto e cheio de significado...
    Adorei!

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