As palavras possuem poderes mágicos. Eles estavam deitados na cama, de conchinha. Um corpo transmitia calor para outro. O cenário perfeito para o amor. Sussurrando, ela fez a pergunta:
− Arthur, você está me traindo?
As palavras são campo minado. Foi como se o mundo tivesse congelando. Talvez pior. Pior do que isso somente o inferno. Demorou, mas havia chegado a hora do juízo final.
− Que absurdo! De onde você tirou essa idéia ridícula?
As palavras aprisionam. Ela não fez nenhum esforço para se libertar do abraço. Mas sentiu um movimento involuntário, ele estava apertando−a com uma força inadequada para aquele momento.
− Joana me disse que viu você com outra. Em um motel.
As palavras diminuem a luz, trazem a escuridão para perto. Nenhum argumento consegue demolir a acusação formulada por testemunha.
− Joana é uma fofoqueira, dá tudo para ver o circo pegar fogo. Você sabe disso. Ninguém consegue esquecer que foi ela quem inventou aquela nojeira sobre o Armando.
As palavras anunciam a destruição. Ainda bem que ele teve presença de espírito para contra−atacar. Não era a melhor solução, mas servia para lançar uma pitada de dúvida no caldeirão de intrigas em que ele estava sendo cozinhado.
− Ela disse que conhece a pessoa que estava com você.
As palavras subtraem. Não importa: é preciso negar, negar tudo. Independente do que ela diga, a regra é inflexível: negar, negar sempre.
− Que absurdo! Acabei de passar quinze dias em São Paulo. Como é que ela pode ter me visto em um motel?
As palavras traem. Mal terminou de falar e já estava arrependido. Na tentativa de se livrar da acusação, acabou mergulhando no fogo.
− O problema é esse: ela estava em São Paulo na semana passada.
As palavras condenam. Ele não conseguiu esconder o silêncio no meio das frases pronunciadas, no meio de alguns sons desconexos com os fatos.
− O quê? E você acreditou nessa coincidência? Em uma cidade com sei eu lá quantos milhões de habitantes, ela conseguiu me ver em um motel?
As palavras são sinônimas do espanto. A melhor tática é o uso da lógica, o afastamento imediato de qualquer duvida.
− Ela disse que fotografou você.
As palavras anunciam a morte. A situação estava começando a ficar fora de controle. Se ele não encontrasse alguma forma de reverter a avalanche, nada mais restaria senão o ouvir as acusações maldosas, repetir aos gritos as mágoas que não cicatrizaram.
− Mentira! Quer dizer... Só pode ser mentira.
Muitas vezes sobram palavras. Poderia ter ficado calado. Não ficou. Fazia parte de sua estratégia preencher as lacunas.
− Eu vi as fotos.
Muitas vezes faltam palavras. A afasia é angustiante. Mais angustiante do que isso foi vê−la se levantar, vestir a roupa, sair do quarto, ouvir a porta batendo.
Quando estamos sozinhos as palavras são inúteis.
Nada mais que terrível a traição. E os argumentos, hum!!! Não convence, e às vezes o preço a pagar é muito alto. Será que vale apena?
ResponderExcluirFormidável! Esse recurso de comentar sobre as várias facetas e significados que podem existir nas palavras foi sensacional, tornando um conto relativamente simples, embora interessante, num texto realmente "fera".
ResponderExcluirGrande abraço!
ps: exclui comentário anterior por conter erro de digitação...
Francisco, Celso: Obrigado!
ResponderExcluirUm dos piores dos atos humano é a traição.
ResponderExcluirDeixa por vezes dependo das circunstâncias marcas profundas.Não somente diretamente nos participantes da traição, como nos coadjuvantes.
Por que a traição entre dois seres que se dizem amarem-se?
Parabéns caro escritor!
Se há traição, não há amor. Não estou defendendo exclusividade. Apenas honestidade.
ResponderExcluirConcordo. Acho que é mais triste até para quem trai do que para quem foi traído. Não existe dor maior do que jogar um grande amor pela privada.
ResponderExcluirMuito, muito bom! Simples, direto e cheio de significado...
ResponderExcluirAdorei!
Obrigado, Ciça!
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