Um dos grandes entraves da indústria cinematográfica está na dificuldade de contar uma história com final infeliz. Cinema é um processo artístico muito caro e as regras formuladas pelo capitalismo determinam, como prioritária, a necessidade de recuperar o investimento – ou parte substancial. Ninguém quer assistir um filme que se pareça com a vida. Qualquer sucesso de bilheteria está conectado com a ilusão.
Mesmo assim, alguns (poucos e raros) corajosos insistem em caminhar na contramão. Um deles, Gus van Sant, se tornou famoso por trabalhar temas pouco ortodoxos, muitas vezes beirando o escândalo, quase todos em produções de baixo orçamento. Filmes como My Own Private Idaho (1991), Gerry (2002), Elefante, (2003, Palma de Ouro no Festival de Cannes, prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes), Last Days (2005), Paranoide Park (2007), entre outros, ganharam bons prêmios em festivais independentes – o que garantiu fama ao diretor e a possibilidade de filmar outros projetos alternativos como Milk (2008). Infelizmente, esse tipo de cinema, que carrega o estigma de ser intelectual (seja lá o que isso quer dizer) ou de estar fora dos padrões da normalidade hollywoodiana, não consegue obter boas bilheterias.
Gus van Sant também dirigiu alguns sucessos comerciais como Drugstore Cowboy (1989, Prêmio C.I.C.A.E. no Festival de Berlim), Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997, Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Robin Williams e Oscar de Melhor Roteiro Original), Psicose (1998, remake do clássico de Alfred Hitchcock) e Encontrando Forrester (Finding Forrester,2000).
A última aventura de Gus van Sant, Inquietos (Rentless, 2011), está centrada na figura de Enoch Brae (interpretado por Henry Hooper), um pós−adolescente que abandonou a escola e que, talvez como uma válvula de escape das tensões emocionais, joga batalha naval com um amigo imaginário − Hiroshi Takahashi.
Com o cabelo eternamente despenteado, Enoch costuma freqüentar funerais. Em um desses "eventos sociais", ele conhece Annabel Cotton (interpretada por Mia Wasikowska).
Ela está doente, um tumor cerebral. Ele está amarrado ao acidente de carro que matou os seus pais. Ela espera alegremente pela morte. Ele percebe que existem outras coisas além do ressentimento. Ela é delicada e perene como um por−de−sol. Ele não entende porque precisa sobreviver a outra perda. Ela o ensina que é imprescindível se libertar dos fantasmas para aprender a morrer – ou viver. Ele descobre que morrer é fácil, difícil é amar.
Com diálogos que, em alguns momentos, se aproximam do non−sense, o filme explora, com habilidade, situações características do humor negro. A perda e o luto ganham outras cores – tarefa que o diretor de fotografia (Harris Savides) conseguiu realizar com competência.
Dependendo do ângulo de análise, e das devidas diferenças temporais, Inquietos lembra um clássico cinematográfico dos anos 70 do século passado: Ensina−me a viver (Harold and Maude. Dir. Hal Ashby, 1971), que também aborda a ritualização da morte. Além disso, o comportamento mórbido dos personagens masculinos (Harold e Enoch) e a abordagem romântica sobre o amor com prazo de validade prestes a vencer (Maude e Annabel) são semelhantes. Há, inclusive, uma encenação de suicídio em Inquietos (recurso utilizado obsessivamente por Harold em Ensina−me a Viver).
Seja uma reatualização de um filme antigo, seja uma forma simpática de tratar o páthos (paixão, sofrimento, doença), Inquietos é um filme lírico, sensível, com um belo final infeliz.
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